São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

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PALEONTOLOGIA

Restos de bebê-dinossauro no estômago do animal negam idéia de que grupo só tinha comedores de insetos

Mamífero pré-histórico devorava dinos

Divulgação/Academia Chinesa de Ciências
Reconstituição mostra R. robustus comendo psitacossauro


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ao que tudo indica, o filhote de dinossauro não teve a menor chance. Pouco depois de deixar o ovo, foi agarrado por um predador três vezes maior que ele, desmembrado e engolido em grandes pedaços. O detalhe é que a fera que o devorou pertencia a um grupo de animais que, na era dos dinossauros, tinha fama de só possuir membros pequenos e medrosos: o dos mamíferos. É uma história que vira do avesso a maioria dos mitos que as pessoas ouvem sobre a convivência entre dinos e mamíferos, mas não parece haver outra explicação para o que descobriu a equipe liderada pelo paleontólogo chinês Yaoming Hu, 37, do Museu Americano de História Natural. Ele e seus colegas encontraram os restos retalhados de um pequeno Psittacosaurus, um dinossauro herbívoro, dentro do que um dia foi o estômago do mamífero Repenomamus robustus. O grupo também descobriu uma nova espécie de mamífero, o Repenomamus giganticus, com quase o dobro do tamanho do devorador de dinossauros e aparência ainda mais feroz. Em conjunto, os dois bichos, que viveram há cerca de 130 milhões de anos, sugerem que os mamíferos da época nem sempre viviam se escondendo pelos cantos, comendo insetos. Parece que pelo menos alguns deles competiam de igual para igual com os então senhores da Terra. "Não acho que os mamíferos grandes fossem comuns no Mesozóico [a era dos dinossauros, de 235 milhões a 65 milhões de anos atrás], mas me parece possível que encontremos espécies ainda maiores", disse Hu à Folha. A descrição dos fósseis está na edição de hoje da revista científica "Nature" (www.nature.com), assinada por ele e por um grupo da Academia Chinesa de Ciências.

Dupla dinâmica
Assim como nove entre dez das últimas grandes descobertas sobre a era dos dinossauros, os dois Repenomamus foram achados na Província chinesa de Liaoning. O lugar é famoso por seus dinossauros com penas e mamíferos primitivos, todos muito bem preservados devido a uma morte instantânea, provavelmente causada por cinzas vulcânicas. Em tamanho, o R. giganticus lembra um cachorro, com 1 m de comprimento e estimados 14 kg de peso, enquanto o R. robustus era 60% menor. Em comum os dois têm um crânio forte e armado de dentes afiados, especialmente os incisivos. Ao que parece, eles os usavam para agarrar sua presa e dilacerá-la. Alguém mais cético quanto às habilidades assassinas dos animais poderia sugerir que o filhote de dinossauro, na verdade, ainda estava dentro do ovo quando foi comido. No entanto, o exame dos dentes do psitacossauro, que devia ter uns 14 cm quando vivo, mostra que eles estão desgastados -sinal de que já era nascido no momento em que foi devorado. Se tivesse chegado à maturidade, esse dino com bico semelhante ao de um papagaio ficaria com o tamanho de uma vaca. A imagem-padrão dos mamíferos do Mesozóico é a de criaturas semelhantes a camundongos ou musaranhos, com poucos centímetros de comprimento, de hábitos noturnos e moradoras de árvores ou tocas (os Repenomamus, pelo que sugerem suas patas e dedos, andavam no chão). Mas o fato é que os pesquisadores já suspeitavam de que o quadro fosse mais complicado. "Na verdade, não é uma surpresa tão grande assim", explica a paleontóloga Anne Weil, 37, da Universidade Duke, que comentou o estudo para a "Nature". "Nos últimos dez anos, os pesquisadores tem achado várias evidências de mamíferos grandes no Mesozóico. O problema é que eram só fragmentos. As espécies de Repenomamus são excepcionais porque esqueletos quase inteiros estão preservados." Mesmo assim, afirma Weil, esse achado deve sacudir as nossas idéias sobre os ecossistemas do Mesozóico. "Dava para dizer que o R. robustus era um carnívoro só de olhar para o crânio dele, mas o que comia? Estamos acostumados a pensar nos dinossauros como predadores e nos mamíferos como presas. Claramente, os ecossistemas da época eram mais matizados do que isso." Que o digam os minúsculos dinos com penas de Liaoning, que aparentemente eram maioria e viviam com medo dos Repenomamus.


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