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BIOTECNOLOGIA
Usando material derivado de embriões humanos como modelo, grupo explica como vírus do herpes ataca
Estudo expõe outro lado de célula-tronco
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma pesquisa inovadora com
células-tronco embrionárias que
acaba de ser concluída nos EUA
não trouxe nenhuma grande esperança médica, não curou paraplégicos nem ofereceu nenhum
tratamento para uma doença grave e incurável. Mas ela começou o
longo caminho até lá, explicando
como o vírus do herpes faz para se
instalar no organismo. Pode não
parecer, mas é um grande avanço.
É também a pitada de sal que
costuma faltar para temperar a
comoção gerada pela liberação
das pesquisas com células-tronco
extraídas de embrião, no Brasil e
em outras partes do mundo. Essas
pesquisas certamente criam esperanças médicas para o futuro,
mas não se engane: o caminho é
longo e tortuoso. Este é o começo.
"Acho legal o trabalho porque é
original, no sentido de que sai
dessa idéia fixa que temos de que
as células-tronco embrionárias só
servirão para transplante celular e
medicina regenerativa", diz Alysson Muotri, pesquisador brasileiro no Instituto Salk, em La Jolla,
EUA, e co-autor do estudo, que
sai publicado na revista da Academia Nacional de Ciências dos
EUA, a "PNAS" (www.pnas.org).
"Esse trabalho não é mágica. É
um processo real de compreensão
que está acontecendo", diz Carlos
Menck, do Instituto de Ciências
Biomédicas da USP, que não esteve envolvido no estudo. "É isso o
que nós vamos ver com mais freqüência nos próximos anos."
Colocando de forma simples, os
cientistas usaram células-tronco
cultivadas em laboratório para
criar um "modelo" que pudesse
servir para observar como acontecem as infecções pelo vírus do
herpes. Usando uma técnica capaz de diferenciar as células-tronco em vários tipos de tecido, inclusive neurônios, eles descobriram como o insidioso patógeno
explora a "boa vontade" das células humanas em seu ataque.
Ao detectar o intruso, a célula
ativa seu sofisticado sistema de
reparação do DNA, feito para corrigir danos ocorridos em seu próprio código genético. Acontece
que é exatamente isso o que o vírus quer. Ele coopta as proteínas
usadas no sistema e consegue, então, se replicar de forma eficiente.
Todo o maquinário celular fica à
sua mercê, e isso leva às incômodas feridas causadas pelo vírus.
Nem todas as células sofrem o
mesmo efeito. Os neurônios não
têm um sistema de reparos de
DNA tão agressivo. Resultado: o
vírus fica esperando proteínas
que nunca vêm. Sem elas, sua replicação é muito mais lenta, ele fica num estado dormente conhecido como "latência".
A boa notícia é que, após a infecção inicial, o vírus em geral fica
quietinho, sem dar trabalho à vítima. A má é que ele está sempre lá.
É só o organismo dar uma bobeada (sofrer uma baixa do sistema
imune, por estresse ou outra
doença) e ele consegue infectar
outras células ao redor dos neurônios e voltar a causar feridas.
"As células neuronais servem
como uma espécie de reservatório
do vírus", explica Menck. "Ele só
ataca os neurônios sensores ou
expostos à ferida. Por exemplo,
neurônios que enervam a boca.
Não sabemos se o vírus consegue
ser retrotransportado para outros
neurônios até chegar ao cérebro",
complementa Muotri.
Embora faça essa ligação entre
as proteínas do sistema de reparos de DNA e a replicação do vírus, o estudo ainda deixa muitas
dúvidas. "Com certeza o trabalho
abre mais questões do que fecha",
diz Muotri. "A idéia agora é procurar saber como essas proteínas
de reparo interagem molecularmente com o maquinário de replicação do vírus."
Ou seja, ainda há muito estudo
pela frente. "Não podemos bitolar
só com transplantes ou fins aplicados", diz o brasileiro do Salk.
"Existe muito no desenvolvimento humano sobre o que só saberemos se estudarmos questões fundamentais relacionadas ao período inicial de diferenciação das células-tronco embrionárias."
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