São Paulo, domingo, 13 de abril de 2008

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Deixa eu te ouvir, peixe

O que a acústica revela sobre a vida subaquática -e sobre as ameaças que ela enfrenta

"Science"
Peixe-palhaço, morador de recifes de coral que se comunica por meio de chilreios rápidos


NONNY DE LA PEÑA
DO "NEW YORK TIMES"

Batidas sinistras assombram moradores do Cabo", dizia a manchete do "News-Press" de Cabo Coral, Flórida. Era final de janeiro de 2005, época de acasalamento de um peixe chamado piraúna. Os chamados noturnos estavam em um crescendo. Mas ninguém na área parecia notar que o som tinha origem aquática.
Culparam a prefeitura. Queriam que o Conselho Municipal pagasse mais de US$ 47 mil a uma firma de engenharia para eliminar o barulho que reverberava em suas casas.
Então James Locascio, estudante de oceanografia na Universidade do Sul da Flórida, salvou a cidade. Depois de ler o artigo no jornal, Locascio ligou para um vereador e explicou que os chamados de acasalamento das piraúnas tinham freqüências de 100 a 500 hertz, baixas o suficiente para atingir as casas de frente para a praia.
No começo, os moradores não acreditaram. "Os mais exaltados diziam que de jeito nenhum um peixe poderia produzir um som que fosse ouvido dentro de uma casa", conta.
Então, Locascio e David Mann, um especialista em bioacústica da Universidade do Sul da Flórida, recrutaram os céticos para um estudo. Pediram a eles que marcassem os níveis e horários dos ruídos em um caderno. "Pegamos os dados deles e os comparamos com os sons de peixes que havíamos gravado com hidrofones debaixo d'água", disse Locascio. "A concordância era perfeita", afirmou.
Desde Aristóteles os naturalistas sabem que peixes fazem barulho. Mas, quando Jacques Cousteau deu o título de "O Mundo Silencioso" a seu documentário de 1956, ele capturou a imaginação do público, deixando nossos ouvidos surdos aos latidos, gemidos, zumbidos e chilros dos peixes.
"Os tanques de mergulho dele mascaravam todos os sons na água", disse Rodney Rountree, da Universidade de Massachusetts em Amherst, EUA.
Ainda assim, de 30 mil espécies, apenas 1.200 que produzem sons foram catalogadas. "A maior parte dos peixes de aquário faz som", disse Philip Lobel, professor de biologia na Universidade de Boston. "Manter os peixes num aquário é como manter um canário em uma gaiola à prova de som."

Silencioso uma ova
Na maioria dos peixes, o mecanismo sonoro é um músculo que faz vibrar uma bexiga natatória. A bexiga é usada para flutuação, mas também pode virar um tambor. O peixe-sapo-da-boca-branca contrai seu músculo sonoro contra a bexiga milhares de vezes por minuto, gerando um zumbido. Os peixes-sapos têm os músculos mais rápidos conhecidos entre os vertebrados: três vezes a velocidade das asas de um beija-flor.
Os peixes-palhaços têm um ligamento sonoro que usam para "chilrear"; outros peixes usam a estridulação, o ato de esfregar os ossos, semelhante a passar o dedo sobre um pente. Os arenques soltam bolhas de seu ânus, num "truque repetitivo rápido" (maneira jocosa como os cientistas se referem ao "pum" desses animais).
Mesmo assim, apesar de dissecações cuidadosas, o mecanismo sonoro de várias espécies permanece um mistério.
Sons de peixes têm sido documentados como formas de atrair parceiros, demonstrar agressividade e expressar medo ou estresse, mas "discursos" mais sutis permanecem sem decifração. "Eles têm mecanismos razoavelmente sofisticados de comunicação, com significados diferentes dependendo do contexto social dos sons", disse Andrew Bass, professor de neurobiologia e comportamento da Universidade Cornell. "A comunicação sonora provavelmente evoluiu primeiro nos peixes."
Os peixes raramente são ouvidos em terra, porque o plano de contato entre a água e o ar cria uma barreira sonora. Novos microfones subaquáticos, sofisticados e mais baratos, têm ajudado a pesquisa, tornando a acústica passiva (o ato de escutar) mais produtiva.
Rountree lançou um hidrofone na água de Cape Cod, no nordeste dos EUA, no primeiro levantamento acústico passivo da área. Ele ficou impressionado com o chilro dos congros, cuja presença naquela área não era conhecida.
Outra descoberta incomum foi feita por Gerald D'Spain, do Instituto Scripps de Oceanografia, em San Diego. Ele gravou peixes fazendo "coro" no Pacífico, num som que compara a uma "ola" em um estádio. Infelizmente, nem todo mundo que escuta os peixes o faz por pesquisa. Pescadores na China começaram a usar hidrofones para localizar a pescada amarela, quase extinta, cuja bexiga natatória é valorizada por suas propriedades medicinais.
Outra preocupação é com os chamados de acasalamento para os peixes: o aumento dos ruídos provocados por navios, sonares e prospecção de petróleo, que muitas vezes têm a mesma freqüência dos chamados, pode estar impedindo a comunicação entre os peixes.


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