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MAL DE CHAGAS / 100 ANOS
Primeira paciente viveu 72 anos com micróbio da doença
Criança em que Chagas descobriu a enfermidade, em 1909, foi examinada em um consultório feito num vagão de trem
Lassance, município onde o médico tratou a menina, tem poucos casos de Chagas hoje, mas, em 2008, metade da população teve dengue
EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL A LASSANCE (MG)
A primeira paciente da história diagnosticada com mal de
Chagas, examinada e tratada
pelo próprio descobridor da
doença, não morreu por causa
dessa enfermidade tropical,
mas em razão de uma isquemia
cerebral, 72 anos depois.
Berenice Soares de Moura
entrou para a história da medicina e do Brasil no dia 14 de
abril de 1909, aos dois anos de
idade. Naquela data, o médico
Carlos Chagas concluiu um trabalho feito a partir de exames
com o sangue da menina, em
Lassance, no sertão mineiro.
No dia seguinte, o cientista já
escrevera anotações descrevendo todo o ciclo da doença
causada pelo protozoário
Trypanosoma cruzi.
Um artigo científico sobre a
descoberta foi publicado em 22
de abril de 1909 e deixou o brasileiro perto de ser o primeiro a
receber o Nobel. Chagas foi indicado ao prêmio por identificar a doença que leva seu sobrenome, mas não chegou a receber a honraria.
A saúde de Berenice, porém,
já valera como um prêmio.
"Minha avó viveu toda a vida,
até os 74 anos, com a doença. E
nunca teve as consequências
graves do Chagas", diz a física
Jacira Moura Costa, neta de
Berenice, hoje professora de
ensino médio em Pirapora, às
margens do São Francisco, a 75
km de Lassance.
Na casa da nora de Berenice,
onde Jacira recebeu a reportagem da Folha, fotos da personagem ilustre são exibidas ao
lado de uma medalha religiosa,
presente dado pelo próprio
Chagas à paciente histórica.
Berenice gostava de contar
aos familiares a história dela e
do médico. Não sabia ler, mas
adorava cozinhar. Preparava
arroz socado no pilão e fazia
queijos. "Foi por meio dela
mesmo que passei a conhecer
essa história. Ela adorava
quando os netos, nas férias, ficavam na fazenda", diz Jacira.
"Meu pai, sim [Antônio José de
Moura], morreu por causa do
mal de Chagas, que ele provavelmente pegou quando ainda
vivia em zona rural", diz Costa.
A maneira com que a doença
evolui ainda não é bem explicadas pela ciência, a exemplo da
história da família. Ninguém
sabe por que os sintomas aumentaram em Antônio, mas
não em sua mãe, Berenice.
"Meu pai fez questão de se
mudar para a cidade para que
todos os filhos pudessem estudar", diz Costa. E Berenice conheceu três dos nove bisnetos.
Médico no trem
Apesar de ter morrido na cidade de Pirapora, Berenice
sempre viveu na fazenda, na zona rural, conta a neta. Na infância, em casa de pau-a-pique, é
que teve os sintomas da doença
desconhecida. "Os pais dela ficaram sabendo que havia um
médico em um vagão em Lassance que estava atendendo as
pessoas. Eles resolveram levar
minha avó até lá".
Carlos Chagas, que encontrou a pequena paciente ainda
na fase aguda da doença, conseguiu reverter o quadro, usando
raízes e folhas, diz Costa. Passado o problema, o médico quis
adotar a menina, mas a família
não concordou. Mais tarde, ela
ganhou "consciência da importância da descoberta", diz a neta. "Em vida, ela recebeu muitas visitas de médicos e viajou
também para eventos em Belo
Horizonte e Rio de Janeiro."
Hoje, na região, a doença descoberta por Chagas não está
mais entre os principais problemas de saúde pública, conta
Jacira. "No ano passado o grande problema foi a dengue", diz.
"Um dos meus filhos pegou."
Dos 6.200 habitantes de Lassance, 3.509 tiveram dengue
em 2008. Neste ano, porém, o
prefeito recém empossado Idson Brito (PSDB), um cardiologista, diz ter conseguido controlar a doença. A cidade não
teve dengue em 2009, afirma.
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