São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Enlatado parece "carne bovina de segunda"

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Quer experimentar carne de baleia e contar que gosto tem?" No princípio, aceitei, mas depois parei para pensar. Recebi três latinhas trazidas do Japão, duas delas com fotos que tanto poderiam ser de picadinho de boi quanto de soja texturizada.
Quando olhei a terceira, com uma baleia ilustrada, balancei.
Mal tive tempo de recusar.
Outra mão já me entregava um folheto de um restaurante japonês especializado na carne do cetáceo e um folder com receitas. Sob o título "Let's Cook!!", em inglês mesmo, o texto estava em japonês.
Precisaria de um tradutor e de alguém que soubesse lidar com o conteúdo das latinhas.
Lembrei do Shin, o Shinya Koike, chef de cozinha nascido em Tóquio e dono dos restaurantes paulistanos Aizomê e A1.
Liguei e perguntei se ele já havia provado carne de baleia alguma vez na vida. Ele riu, como se a resposta fosse óbvia. Expliquei o que precisava e combinamos de nos encontrar.
Com o restaurante ainda vazio, entreguei as três latas. Shin bateu os olhos e deu o veredicto, meio decepcionado: "Ah, já está temperada. É um cozido, um picadinho adocicado".
Como quase todo japonês de sua geração, Shin, 50, cresceu acostumado a comer baleia.
Quando criança, a carne do cetáceo era servida na merenda escolar. "Antigamente, pegavam bastante. Agora, caiu a quantidade e ficou muito caro."
Shin explica que cada parte da baleia tem um nome. Faz um desenho e aponta as "mais nobres", usadas para sashimi: ago-niku (no abdome) e ono-mi (perto do rabo). Num dos folhetos, diz, lê-se "saiba preservar". Preservar? Mas não são receitas? "São", diz, notando o paradoxo. Outro folder exalta dados nutritivos do cetáceo: muita proteína e pouco colesterol.
Shin pega uma latinha e vai para a cozinha. Volta com um prato bonito, com um pedaço de nabo, tofu frito e, por cima, baleia. Levo à boca tentando não pensar no que é. E, se não soubesse, seria facilmente enganada. Pensaria ser um picadinho de alguma carne bovina de segunda, cozida por muito tempo. A aparência, a textura e o gosto (embora mascarado pelo molho) são mesmo parecidos.
Confesso que senti um grande alívio. O gosto não é surpreendente. E ainda que fosse, há sabores suficientes no mundo. Já baleias...

JANAINA FIDALGO é repórter de gastronomia



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