São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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+ Marcelo Gleiser

A vida vista de longe


Os cientistas da Terra é que devem ir em busca dos ETs


"A vida busca a vida", escreveu o celebrado astrônomo e divulgador de ciência Carl Sagan. Sendo assim, é no mínimo curioso que ainda não tenhamos recebido visitas de extraterrestres.
Afinal, mesmo se nos limitarmos à nossa galáxia, a ilha de cerca de 300 bilhões de estrelas da qual o Sol e os seus planetas fazem parte, há estrelas e planetas demais para que nenhum tenha desenvolvido vida, incluindo a mais rara vida inteligente. Esse é o famoso paradoxo de Fermi: dado o número de estrelas da Via Láctea e os seus 10 bilhões de anos (o dobro da idade do Sol), os ETs teriam tido tempo de sobra para desenvolver tecnologias capazes de cruzar as enormes distâncias interestelares e vir nos visitar. E a verdade é que, tirando as hipóteses absurdas de Erich von Däniken, segundo a qual ETs estiveram já por aqui e ajudaram a construir as pirâmides egípcias, as linhas de Nazca e outros projetos grandiosos de nossos antepassados (e descontando os relatos de indivíduos sem maior prova do que narrativas ou fotos suspeitas), os ETs nunca estiveram por aqui. Se estiveram, não parecem estar interessados em contatar cientistas ou políticos para um papo mais sério, limitando-se a exibir suas espaçonaves nas noites e a realizar experimentos com o aparelho reprodutor humano.
Dada esta crua realidade, são os cientistas da Terra que devem ir em busca dos ETs. O problema que enfrentamos são as enormes distâncias. Infelizmente, o espaço entre as estrelas é muito grande e essencialmente vazio. Temos procurado por vida na nossa vizinhança, nos planetas e nas luas do Sistema Solar. Mas, até agora, não encontramos nada, e é pouco provável que encontremos mesmo uma mísera bactéria no subsolo marciano, ou no oceano sob a espessa camada de gelo que cobre Europa, uma das luas de Júpiter. A vida, mesmo não sendo exclusividade do nosso planeta, é rara.
Tomemos como exemplo nossa estrela vizinha, a Alfa-Centauro. Em números arredondados, ela fica a 5 anos-luz do Sol: a luz demora cinco anos de lá até aqui. Isso equivale a uma distância aproximada de 50 trilhões de quilômetros (5 x 1013km). Com tecnologias atuais, em que espaçonaves atingem velocidades de cerca de 50 mil km/h, demoraríamos em torno de 115 mil anos para chegar lá... Obviamente não será esse o caminho para descobrirmos se existe vida fora da Terra. Seria realmente fascinante se inteligências extraterrestres tivessem desenvolvido tecnologias capazes de cobrir essas distâncias com mais eficiência. Por que eles não vêm aqui nos explicar como se faz? O jeito é procurarmos por vida remotamente. ETs que tivessem telescópios dotados com espectrógrafos poderiam analisar a composição química da atmosfera terrestre. Veriam a enorme quantidade de oxigênio e água; veriam ozônio, metano, óxido nitroso, e concluiriam que aqui existem ciclos de conversão de energia solar em metabolismo típico de seres vivos. Oxigênio, em particular, é um excelente sinal de vida. Em geral, quando presente, é rapidamente usado na oxidação de rochas. Livre, como por aqui, é prova de que algo o está produzindo com muita eficiência. Algo vivo.
Vários projetos futuros farão o mesmo; procurarão por vida na atmosfera de planetas girando em torno de outras estrelas. A vida, se existir, dependerá da estrela que lhe provê energia; estrelas mais fracas do que o Sol poderão ter plantas pretas, para fixar mais energia; nas mais fortes, as plantas terão de refletir parte da luz; nas estrelas que emitem muito ultravioleta, a vida terá que ser embaixo d'água para se proteger da radiação. Se vida busca vida, parece que somos nós que teremos que encontrá-la.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"



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