São Paulo, quinta-feira, 13 de agosto de 2009

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Levedura "gay" pode causar doença mais grave, indica estudo

Fungo estudado por americanos é conhecido por provocar infecções em pessoas com sistema imune já enfraquecido

Micróbios conseguem se reproduzir com o mesmo sexo, o que aumenta suas chances de gerar prole mais bem adaptada e agressiva

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Toda forma de sexo vale a pena, se você é um fungo. Por mais de um século se achou que o fungo da espécie Candida albicans era assexuado. Depois viu-se que ele também fazia sexo. E agora três pesquisadores mostraram que a reprodução sexuada também pode ocorrer entre células do mesmo sexo, uma forma de "homossexualidade", como divulgou a própria revista "Nature", onde o estudo está descrito hoje.
Não se trata de mera curiosidade sobre a vida sexual dos micróbios. Aparentemente, o modo como fazem sexo e trocam material genético estaria ligado também à sua virulência como causadores de doença. Mais precisamente, essa forma de reprodução em fungos é chamada de homotálica.
A Candida albicans é o mais comum entre os fungos causadores de doença em seres humanos. Ela está presente na flora microbiana do sistema digestivo da maioria das pessoas, mas em geral só afeta pessoas com o sistema de defesa do organismo abalado, como portadores do vírus da Aids ou que passam por quimioterapia.
"Parece que ambos os modos de reprodução são possíveis, o convencional, entre sexos opostos, e o entre células do mesmo sexo", disse à Folha o líder do estudo, Richard Bennett, da Universidade Brown, nos EUA. Em geral, afirmou, a reprodução homossexual aumenta a capacidade de sobrevivência da espécie -e, possivelmente, a resistência da cândida a tratamentos.
O novo estudo foi comentado por outro pioneiro dos estudos da "sexualidade fúngica", Joseph Heitman, da Universidade Duke, também nos EUA. O título do artigo de Heitman é significativo, tirado de uma música do cantor-compositor Stephen Stills (do quarteto Crosby, Stills, Nash and Young), de 1970: "Love the One You're With". Como diz o refrão, "Se você não pode estar com quem você ama, ame quem está com você".
"Há miríades de formas de sexo", como lembra Heitman,. Sexo facilita a evolução biológica ao recombinar o material genético e eliminar mutações nocivas. Na maioria dos animais isso é feito por meio da combinação de uma célula sexual masculina com outra feminina.
Já entre fungos não se pode falar estritamente em "macho" e "fêmea". O sexo envolve duas células com forma parecida, chamadas "a" e "alfa". Cada uma produz um hormônio sexual, um "feromônio", para atrair a outra. Alguns fungos também são autoférteis; um indivíduo isolado pode até fecundar a si mesmo. Essa variedade reprodutiva "traz para a espécie uma flexibilidade adicional", diz Bennett.

Virulência
Heitman e colegas descobriram o primeiro caso de reprodução com o mesmo sexo em 2005 em outro fungo, o Cryptococcus neoformans. Um virulento surto de doença foi causado na ilha de Vancouver, no Canadá, por fungos dessa espécie que se reproduziram de modo homotálico.
A Candida albicans possui duas cópias do gene ligado à reprodução, "a" e "alpha". Para fazer sexo, ela precisa perder um desses genes. "Mas como isso é raro na população, existe uma pressão seletiva forte para fungos isolados serem capazes de se reproduzir com outros por meio da reprodução com o mesmo sexo", afirma Heitman.
"Juntas, as descobertas de que duas espécies bem divergentes de fungos que infectam humanos podem ambas se reproduzir unissexualmente sugerem que o processo pode estar ligado à virulência, e é provável que seja ainda mais disseminado do que se imagina hoje", declara Heitman.
O pesquisador acrescenta que similaridades com os ciclos sexuais de parasitas como Leishmania, Giardia e Plasmodium sugerem que a reprodução entre seres do mesmo sexo "pode ocorrer bem além das fronteiras do reino fúngico".


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