UOL


São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2003

Próximo Texto | Índice

AMAZÔNIA

Pesquisa adapta a criação de porcos selvagens às condições de vida dos caboclos para melhorar renda e nutrição

Embrapa ensina a criar caititu no quintal

Matuiti Mayezo/Folha Imagem - 29.jun.95
Caititu criado em fazenda de Iguape, no litoral sul de São Paulo


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um suíno genuinamente brasileiro pode, em breve, reforçar a mesa e o bolso dos agricultores da Amazônia. Trata-se do caititu (ou cateto), um porco selvagem que pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) estão adaptando ao cativeiro aproveitando os recursos que a própria floresta oferece.
"É um animal rústico [resistente] e que come de tudo", diz a veterinária Natália Inagaki de Albuquerque, 38, da Embrapa Amazônia Oriental, no Pará. O plantel experimental dos bichos já passa dos 50 animais, mas a pesquisadora afirma que a idéia é unir a pesquisa a um grupo pequeno de produtores daqui a três anos.
O caititu, ou cateto (para os cientistas, Tayassu tajacu), é hoje criado em escala comercial por apenas uma fazenda em São Paulo, e a produção tem destino certo: butiques de carne ou churrascarias de luxo. Albuquerque e seus colegas, no entanto, apostam na própria flora da Amazônia para desenvolver uma alimentação balanceada, boa para os bichos e barata para os criadores.

Comida da floresta
"Nos suínos domésticos, a principal fonte de energia na ração é o milho. Na Amazônia, podemos substituí-lo pelos frutos de palmeiras, como o babaçu", afirma a veterinária. Embora seja mais difícil eliminar da dieta o farelo de soja, fonte de proteína relativamente cara, variedades de feijão que não são usadas para o consumo humano podem minimizar os gastos. Para completar a receita, o excedente do pomar seria uma boa fonte de sais minerais e vitaminas para os bichos.
Tanto o caititu quanto seu parente próximo e um pouco maior, a queixada (Tayassu pecari), têm conseguido escapar da lista de espécies ameaçadas, pelo menos por enquanto. Mas a domesticação dos bichos pode significar um alívio para as espécies amazônicas que penam por causa da caça, afirma Albuquerque.
"Os pequenos agricultores da região da [rodovia] Transamazônica vivem numa área na qual o acesso à carne é bastante difícil. É proibido caçar, mas eles fazem isso do mesmo jeito. O caititu poderia fornecer essa carne e ser uma fonte de renda a mais, caso houvesse um excedente de produção", avalia a veterinária.
À primeira vista, o manejo do animal não parece muito diferente do usado com porcos domésticos: os primeiros 12 caititus, capturados numa região de mata do município paraense de Uruará, foram abrigados em baias que parecem um criadouro de suínos um pouco mais espaçoso.
Obviamente, não dá para comparar o rendimento dos bichos com o dos suínos domésticos, até pela diferença de tamanho: enquanto um caititu em idade reprodutiva (cerca de um ano de vida) não chega aos 40 kg, alguns porcos alcançam 200 kg ou mais. A vantagem é outra: criar um animal adaptado à Amazônia. "Os animais domésticos são verdadeiras máquinas de fazer carne", diz Albuquerque, que atualmente está fazendo seu doutorado sobre o projeto na USP de Piracicaba (a 162 km de São Paulo).

Seleção difícil
Essa, aliás, é a parte difícil do trabalho. Afinal, só é tão fácil e lucrativo lidar com porcos, vacas e outros animais domésticos porque eles passaram por milênios de seleção reprodutiva feita por seres humanos, um processo que os tornou cada vez mais dóceis e produtivos. Além disso, muitos detalhes do ciclo de vida do caititu ainda precisam ser entendidos.
Pelo menos no quesito docilidade, o suíno brasileiro não faz jus à fama de mau que as presas afiadas geraram: "Assim como a queixada, ele faz aquele barulho batendo as mandíbulas quando está bravo. Mas temos animais tão dóceis que dá até para pegar no colo", afirma Albuquerque. Só não vale a pena querer eliminar as presas: os pesquisadores tentaram serrar esses dentes em filhotes, mas os animais acabaram morrendo.
Boas fêmeas reprodutoras, por enquanto, têm até três bacorinhos por parto, duas vezes por ano. A carne é saborosa e bastante apreciada, diz Albuquerque, mas ainda resta comprovar se é menos gordurosa que a de porco.


Próximo Texto: Terras indígenas são as campeãs de preservação
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.