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RNA-anão causa câncer no sangue
Versão compacta de molécula prima do DNA esconde arma contra a leucemia, propõe grupo paulista
RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A FOZ DO IGUAÇU
Uma molécula tão pequena
que pode ser descrita com 21 letras esconde uma possível arma contra a leucemia, revelam
pesquisadores da Faculdade de
Medicina da USP de Ribeirão
Preto. Eles descobriram a origem de uma minúscula seqüência de RNA -molécula "prima"
do DNA- que tem forte influência nos mecanismos do
terrível câncer do sangue.
A molécula em questão é um
dos chamados micro-RNAs,
que só foram descobertos em
humanos em 2001 e estão ganhando cada vez mais espaço
na pesquisa em genética. Apesar de pequenos, eles podem
exercer enorme controle sobre
a produção de proteínas -as
"operárias" dentro das células.
"Estima-se que haja cerca de
800 diferentes micro-RNAs
humanos, e que 20% dos genes
sejam regulados por eles", explica Wilson Araújo da Silva
Júnior, líder do grupo de Ribeirão, o primeiro do país a trabalhar com a pequena molécula.
A equipe do cientista está
agora estudando o micro-RNA
de número 223, que existe com
abundância incomum no sangue de pessoas com leucemia.
Ele age como reguladora na formação e especialização dos vários tipos de célula sangüínea.
Ninguém sabia, porém, de onde
ele surgia -até agora.
O micro-RNA 223 equivale a
um conjunto de letras tão pequeno que quase dá para pronunciar: UGUCAGUUUGUCAAATACCCC. Cada letra representa uma das quatro bases
moleculares diferentes que
compõem todos os RNAs. Um
gene que codifica proteínas, em
comparação, pode ter centenas
de milhares de caracteres.
A interação entre um micro-
RNA e um grande gene, porém,
pode ser uma briga de Davi
contra Golias. A molécula pequena sabota a maquinaria celular e impede que proteínas
sejam produzidas a partir do
gene. Normalmente o processo
é benéfico, porque o micro-RNA ajuda a célula a produzir
proteínas na quantidade certa.
Mas pode ocorrer uma anomalia caso haja escassez ou excesso da molécula.
A abundância de micro-RNA
223 em pacientes de leucemia
deve estar privando essas pessoas de uma proteína importante. Reduzir a produção da
molécula, portanto, pode resultar em um novo tipo de terapia.
Origem solucionada
Os cientistas de Ribeirão
Preto descobriram que o micro-RNA 223 é codificado por
um trecho do genoma que parece um gene, mas na verdade
não codifica proteínas. Esse
pseudogene, descrito na tese de
doutorado de Kelson Kodama,
orientando de Silva Júnior, deve fornecer pistas valiosas.
"Essa informação vai servir
de base para futuros projetos
que vão tentar descobrir como
o 223 está atuando no caso das
leucemias", afirma Silva Júnior. Em algum momento, será
possível usá-la tanto para diagnóstico quanto para um novo
tipo de tratamento, capaz de
inibir o crescimento do câncer.
Mas ainda há um bocado de trabalho pela frente.
"Agora a gente parte para
uma outra etapa do estudo: ver
quais genes estão sendo silenciados", diz o cientista. O pesquisador diz que pretende publicar logo seus primeiros trabalhos sobre micro-RNA para
que o tema atraia outros cientistas brasileiros.
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