São Paulo, terça-feira, 14 de janeiro de 2003

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MEDICINA

Pesquisas com medicamentos em humanos cresceram 29 vezes em oito anos, sem beneficiar a indústria nacional

Teste de remédio tem explosão no Brasil

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os testes de novos medicamentos no Brasil cresceram 29 vezes nos últimos oito anos. Dados da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) mostram que 2002 registrou o recorde de 887 testes de remédios em pacientes brasileiros. A maioria desses novos produtos, porém, chega pronta para ensaios finais em humanos, sem contribuição nacional para a pesquisa que os gerou.
Para as empresas farmacêuticas, o interesse em utilizar o país como campo de provas se fortaleceu a partir de 1996, quando foi aprovada a lei brasileira de patentes. "Com isso, aumentou a confiança para investir aqui", diz o médico Flávio Vormittag, 46, presidente da Interfarma (associação que reúne 26 indústrias farmacêuticas internacionais no Brasil).
Além da legislação de propriedade intelectual, até 1996 ainda não existia uma forma de controlar os testes de medicamentos em pessoas. Naquele ano foi criada a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), responsável por credenciar comissões de ética das instituições que realizam os testes e por avaliar as pesquisas clínicas feitas em cooperação com empresas ou órgãos estrangeiros.
"A evolução dos centros de pesquisa no Brasil nos últimos dez ou 20 anos e o aumento da compreensão do que é pesquisa clínica também influenciaram o crescimento", diz Vormittag. De apenas 30 testes em andamento em 1995, o número de novos medicamentos sendo avaliados no país passou para 887 no ano passado - dos quais 774 começaram a ser testados em 2002. No Brasil, o setor movimentou cerca de US$ 175 milhões no ano passado, enquanto o mercado mundial corresponde a cerca de US$ 4 bilhões.
Os testes se distribuem de forma desigual pelas quatro fases da pesquisa clínica, concentrando-se na chamada fase 3, que antecede a aprovação e a distribuição de um produto no mercado (veja o quadro à direita). A fase 1, que avalia como o remédio funciona no organismo de pessoas sadias e que exige maior investimento científico, teve apenas um caso em 2001, informou a revista "Pesquisa Fapesp", da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
"Como a fase 1 acontece antes que o medicamento esteja patenteado, ela costuma ser feita no país de origem", diz o médico William Saad Hossne, 76, da Unesp, coordenador da Conep.
Hossne afirma que outro fator a tornar o Brasil atraente para os testes clínicos é o perfil da população, que inclui muitas pessoas com doenças crônico-degenerativas (como o câncer). Esses males são os mais pesquisados pelas empresas, já que afetam mais cidadãos de países ricos.
A concentração das pesquisas na fase 3, contudo, revela que o papel científico dos testes é pequeno. "Existem muitos "pesquisadores" por aí que não passam de testadores", afirma Volnei Garrafa, 56, da Universidade de Brasília, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética.
Vormittag diz que as instituições que realizam os testes, em geral hospitais ou universidades públicas, recebem das indústrias o dinheiro para acompanhar os pacientes e uma bolsa pelo trabalho. "Uma vantagem para as instituições brasileiras é que a verba, se bem administrada, ajuda a equipá-las", diz Paula de Sá, 35, coordenadora de testes da Anvisa.
"A pesquisa, em muitos casos, já veio pronta do exterior. Queremos fazer com que o pesquisador brasileiro participe da elaboração do projeto", diz Hossne.


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