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MEDICINA
Pesquisas com medicamentos em humanos cresceram 29 vezes em oito anos, sem beneficiar a indústria nacional
Teste de remédio tem explosão no Brasil
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Os testes de novos medicamentos no Brasil cresceram 29 vezes
nos últimos oito anos. Dados da
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) mostram que
2002 registrou o recorde de 887
testes de remédios em pacientes
brasileiros. A maioria desses novos produtos, porém, chega pronta para ensaios finais em humanos, sem contribuição nacional
para a pesquisa que os gerou.
Para as empresas farmacêuticas, o interesse em utilizar o país
como campo de provas se fortaleceu a partir de 1996, quando foi
aprovada a lei brasileira de patentes. "Com isso, aumentou a confiança para investir aqui", diz o
médico Flávio Vormittag, 46, presidente da Interfarma (associação
que reúne 26 indústrias farmacêuticas internacionais no Brasil).
Além da legislação de propriedade intelectual, até 1996 ainda
não existia uma forma de controlar os testes de medicamentos em
pessoas. Naquele ano foi criada a
Conep (Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa), responsável
por credenciar comissões de ética
das instituições que realizam os
testes e por avaliar as pesquisas
clínicas feitas em cooperação com
empresas ou órgãos estrangeiros.
"A evolução dos centros de pesquisa no Brasil nos últimos dez ou
20 anos e o aumento da compreensão do que é pesquisa clínica também influenciaram o crescimento", diz Vormittag. De apenas 30 testes em andamento em
1995, o número de novos medicamentos sendo avaliados no país
passou para 887 no ano passado
- dos quais 774 começaram a ser
testados em 2002. No Brasil, o setor movimentou cerca de US$ 175
milhões no ano passado, enquanto o mercado mundial corresponde a cerca de US$ 4 bilhões.
Os testes se distribuem de forma
desigual pelas quatro fases da pesquisa clínica, concentrando-se na
chamada fase 3, que antecede a
aprovação e a distribuição de um
produto no mercado (veja o quadro à direita). A fase 1, que avalia
como o remédio funciona no organismo de pessoas sadias e que
exige maior investimento científico, teve apenas um caso em 2001,
informou a revista "Pesquisa Fapesp", da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo.
"Como a fase 1 acontece antes
que o medicamento esteja patenteado, ela costuma ser feita no
país de origem", diz o médico William Saad Hossne, 76, da Unesp,
coordenador da Conep.
Hossne afirma que outro fator a
tornar o Brasil atraente para os
testes clínicos é o perfil da população, que inclui muitas pessoas
com doenças crônico-degenerativas (como o câncer). Esses males
são os mais pesquisados pelas
empresas, já que afetam mais cidadãos de países ricos.
A concentração das pesquisas
na fase 3, contudo, revela que o
papel científico dos testes é pequeno. "Existem muitos "pesquisadores" por aí que não passam de
testadores", afirma Volnei Garrafa, 56, da Universidade de Brasília,
presidente da Sociedade Brasileira de Bioética.
Vormittag diz que as instituições que realizam os testes, em geral hospitais ou universidades públicas, recebem das indústrias o
dinheiro para acompanhar os pacientes e uma bolsa pelo trabalho.
"Uma vantagem para as instituições brasileiras é que a verba, se
bem administrada, ajuda a equipá-las", diz Paula de Sá, 35, coordenadora de testes da Anvisa.
"A pesquisa, em muitos casos,
já veio pronta do exterior. Queremos fazer com que o pesquisador
brasileiro participe da elaboração
do projeto", diz Hossne.
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