São Paulo, quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

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FÍSICA

Experimento nos EUA vislumbra condensado de quarks

Acelerador sugere que a matéria pode conter "pudim subatômico"

JAMES GLANZ
DO "NEW YORK TIMES"

Um estado ultradenso e efêmero da matéria, comparável em alguns aspectos a um tipo bizarro de pudim subatômico, foi descoberto no fundo do núcleo de átomos comuns de ouro, afirmaram cientistas do Laboratório Nacional Brookhaven (www.bnl.gov) anteontem numa conferência em Oakland, Califórnia (EUA).
O achado foi descrito por alguns pesquisadores presentes à reunião como uma grande avanço no entendimento das forças poderosas e imensamente complexas que mantêm reunidos os blocos constituintes do núcleo atômico, prótons e nêutrons.
A evidência em favor do novo estado da matéria surgiu quando os cientistas arremessaram átomos de hidrogênio pesado (deutério) contra o ouro a velocidades próximas da da luz e observaram o jato de partículas produzido.
Os dados de três detectores do Colisor Relativístico de Íons Pesados de Brookhaven (RHIC) sugerem que os blocos do núcleo se fundiram brevemente numa massa borrada. Nunca antes um efeito desses havia sido observado, embora alguns teóricos tenham previsto que pudesse ocorrer graças às propriedades cambiantes da matéria em escala minúscula.
"Isso é nada menos do que uma descoberta capital", disse Dmitri Kharzeev, físico teórico do Brookhaven que não esteve envolvido nos experimentos. "Acho que vai desencadear uma verdadeira revolução na física nuclear."
O pudim nuclear, por estranho que seja, tem uma estrutura simples e pode revelar-se uma propriedade universal de núcleos acelerados a altas energias, diz Kharzeev. A simplicidade oferece um contraste forte com a estrutura confusa e por vezes incompreensível de muitos núcleos atômicos. Estudar o estado recém-descoberto permitiria aos físicos contornar essas complexidades e encontrar leis básicas da natureza.
Outros cientistas dizem que estão fazendo verificações para ver se algo mais prosaico no complicado mundo do núcleo não poderia explicar os resultados. "Essa observação é muito interessante", disse Xin-Nian Wang, físico teórico do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley e organizador da conferência Quark Matter 2004. "Permaneço cauteloso quanto às suas implicações exatas."
Há muito tempo os físicos encaram os prótons e nêutrons como algo semelhante a pacotes de minúsculas bolas de gude -coleções de partículas duras e pontuais chamadas de quarks, assim como partículas similarmente pontuais chamadas de glúons, portadoras da força poderosa que mantém os quarks unidos.
Cada próton (e cada nêutron) contém três quarks. Normalmente há só um punhado de glúons esvoaçando entre os quarks, diz Larry McLerran, líder do grupo de teoria nuclear do Brookhaven.
Núcleos atômicos, embora relativamente densos, são algo de similar a sistemas planetários: partículas circulando por um espaço de resto vazio. Mas a matéria subatômica é essencialmente furtiva, e outros quarks e glúons podem surgir e desaparecer brevemente no vazio, preenchendo os núcleos pouca coisa mais.
O efeito é especialmente pronunciado para os glúons, que podem interagir uns com os outros, partir-se em dois, partir-se de novo e assim por diante. Físicos teóricos já sabiam que, por instantes impensavelmente curtos de tempo -um trilionésimo de trilionésimo de um segundo-, o núcleo pode ser preenchido por centenas de glúons que logo desaparecem.
No acelerador do Brookhaven, porém, prediziam alguns teóricos, os glúons poderiam se nutrir das altas energias e ser criados muito mais facilmente. E como, de acordo com a teoria da relatividade de Einstein, o tempo se desacelera quando partículas se movem perto da velocidade da luz, as breves flutuações podem efetivamente durar um pouco mais.
Nesse estado, segundo Kharzeev, McLerran e outros, haveria tantos glúons que eles em certo sentido se fundiriam numa coisa só, criando o pudim que é conhecido tecnicamente como condensado colorido de quarks.


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