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Doping genético virá, afirma especialista
Para bioeticista da Associação Americana para o Avanço da Ciência, jogos do Rio podem ser marcados por essa fraude
Segundo Mark Frankel, hoje
atletas já vão até cientistas
em busca de novas técnicas,
ainda muito experimentais
e que trazem riscos à saúde
Robyn Beck/France Presse
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Técnicos preparamamostras para testes de doping na Olimpíada de Inverno de 2010 em Vancouver (Canadá); hoje, não seria possível detectar doping genético
RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL
Em pouco tempo, atletas começarão a usar a manipulação
genética como doping para aumentar desde os seus músculos
até a sua velocidade. Quem diz
isso é Mark Frankel, especialista em modificação genética e
bioética da Associação Americana para o Avanço da Ciência.
As técnicas que interessam
aos esportistas são uma forma
de geneterapia. Com a ajuda de
um vírus, por exemplo, insere-se no genoma de um indivíduo
DNA que não é dele. A ideia é
colocar genes normais no lugar
de genes defeituosos em portadores de doenças genéticas.
Mas Frankel alerta que os
atletas podem querer fazer
mau uso da geneterapia. Eles
estão saudáveis, mas podem
querer utilizar as técnicas para
melhorar o seu desempenho
artificialmente -usando, digamos, um trecho de DNA que
traga a receita para fabricar
hormônios que turbinem seus
músculos, ou outro que provoque um aumento nos glóbulos
vermelhos do sangue.
Para ele, a Olimpíada do Rio,
em 2016, corre sério risco de ficar marcada por esse tipo de
doping. Os atletas, dispostos a
ignorar os riscos para a saúde
de um procedimento ainda experimental, já procuram cientistas para saber quando poderão usar as novas técnicas, diz.
Frankel publicou com dois
colegas, um deles Theodore
Friedman, da Agência Mundial
Antidoping (Wada), um artigo
recente no periódico "Science"
alertando para o fato. Ele diz
que ainda não existem testes
para detectar o doping genético, embora a Wada esteja se esforçando. Frankel critica ainda
os cientistas, que "nunca sequer pensaram" nas implicações dos seus trabalhos em
áreas como o esporte.
FOLHA - O doping do futuro é genético?
MARK FRANKEL - Sim. Nós sabemos agora que existem genes
com impacto na velocidade,
nos músculos, na resistência.
Acho que, nos próximos anos,
vamos saber cada vez mais sobre eles e sobre outros genes.
Mas ainda temos muito a
aprender sobre o que os genes
controlam no corpo humano.
Além disso, existem outros fatores que importam no desempenho de um atleta, como o tipo de vida que ele tem, o seu
treinamento. Mas a comunidade olímpica precisa estar preparada para o próximo grande
passo do doping, que envolve os
genes. Até onde sabemos, o doping genético ainda não aconteceu, mas vai. É inevitável.
FOLHA - Mas quão perto está de
acontecer? Como o senhor imagina
que será, por exemplo, a Olimpíada
de 2016, no Rio de Janeiro, com relação a esse assunto?
FRANKEL - É muito difícil dizer
quando vai acontecer, mas a
ciência caminha muito rápido.
E, conforme a geneterapia vai
se desenvolvendo, e estamos
tendo cada vez mais sucesso
com ela, as chances de que atletas e seus técnicos a queiram
utilizar como doping vão crescendo. Toda forma de geneterapia no mundo ainda está em
testes clínicos. Você não pode ir
a um médico e pedir o tratamento. Mas acho que muita
coisa vai estar pronta para ser
utilizada no Brasil, talvez até
em Londres [em 2012]. Eu ficaria muito surpreso se não acontecesse uma intensa movimentação em torno do doping genético na Olimpíada do Brasil.
FOLHA - Mas a geneterapia ainda
parecer estar envolta em riscos.
FRANKEL - Sim. E, além dos
muitos riscos que nós já sabemos que existem, devem existir
vários dos quais não temos
ideia ainda. A medicina está
tentando utilizar essas terapias
para curar doenças, mas no
processo elas levam os pacientes a problemas muito sérios,
como a leucemia. Temos de ter
cuidado com o que nós inserimos nos genes. Mas estamos fazendo mais e mais progresso
com a geneterapia e, assim,
mais e mais atletas e técnicos
vão se interessando por isso,
porque eles estão sempre procurando uma maneira nova de
melhorar o seu desempenho.
FOLHA - Já existe algum tipo de assédio aos cientistas por parte de
atléticas e técnicos em busca de doping genético?
FRANKEL - Sim. Deixe-me contar uma pequena história. Há
um pesquisador na Universidade da Pensilvânia que, alguns
anos atrás, estava fazendo pesquisas com camundongos. O
esforço dele era para aprender
a aumentar a massa muscular
dos bichos de maneira segura,
para poder utilizar isso, um dia,
em idosos humanos. Ele, então,
publicou a pesquisa e ela apareceu em jornais. Poucos dias depois, ele recebeu ligações de
atletas e técnicos querendo informações, querendo saber se
aquilo estava disponível para
eles usarem. Ele disse "não, eu
trabalho com camundongos!
Não está pronto para seres humanos". Então perguntaram a
ele quando estaria pronto, e ele
disse que demoraria, porque
primeiro teria de passar por
testes clínicos para saber se seria seguro. Então ele escutou:
"Mas tem como alguns dos
meus atletas participarem desses testes?". Mas atletas não
são pessoas doentes, são saudáveis! E existem vários outros
exemplos de casos assim.
FOLHA - Eles não se importam muito com os riscos, então.
FRANKEL - Frequentemente
não. Atletas e técnicos são muito competitivos, querem ganhar, e por isso aceitam riscos
desconhecidos que o resto das
pessoas evita. O nosso medo é
que eles tentem utilizar algo e
acabem se machucando de maneira muito séria assim. E eles
têm de pensar que esse tipo de
manipulação nos genes pode
até afetar a próxima geração, os
seus filhos. O doping genético
tem efeitos a longo prazo que
nenhum doping atual tem. Eu
acho que podemos convencer a
maioria dos atletas de que não
vale a pena. Veja a quantidade
de atletas que ganham medalhas, sobre os quais os testes
nunca indicaram que estivessem usando substâncias ilegais.
Não é fácil para um atleta enganar o sistema, nós os testamos
muito, embora muitos tentem
e alguns consigam. No final, algum sempre tentará passar por
cima das regras.
FOLHA - Se os atletas quisessem,
teriam acesso hoje a esse doping?
FRANKEL - Você poderia entrar
na internet agora e comprar tudo de que você necessita para
fazer geneterapia. É onde as
universidades compram. Não é
como esteroides, que são ilegais em muitos lugares. O material utilizado para geneterapia não é restrito. Não sabemos
de ninguém que tenha tentado,
mas existem pouquíssimos
obstáculos para tentar, especialmente se você não se importa com os efeitos colaterais.
FOLHA - Mas, se algum atleta utilizasse doping genético hoje, seria
possível saber por meio de testes?
FRANKEL - Não, muito provavelmente não. Mas a Wada está
desenvolvendo técnicas para
conseguir detectar essas modificações genéticas. Eles ainda
não conseguiram, mas estão
colocando muito dinheiro para
pesquisar o assunto. Existe um
tipo de batalha entre as pessoas
do doping e as pessoas do antidoping. Quem trabalha com antidoping sempre quer estar um
pouco à frente de quem trabalha com doping, mas existem
pessoas muito inteligentes e altamente esforçadas dos dois lados da batalha.
FOLHA - Os cientistas se preocupam com os impactos que as suas
descobertas podem ter no esporte?
FRANKEL - A grande maioria dos
cientistas trabalhando na área
nunca sequer pensou em como
o seu trabalho pode ser usado
nos esportes. Eles deveriam ser
mais claros sobre os potenciais
riscos da geneterapia, sobre como ainda existem coisas que
não sabemos sobre essas técnicas. É algo que sempre deveria
ser parte dos artigos científicos
que eles escrevem e de todas as
entrevistas que eles dão. Não
acho que os cientistas estejam
fazendo o suficiente.
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