São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2006

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ARQUEOLOGIA

Documento contrabandeado teve direitos vendidos à National Geographic por suíça com passagem pela polícia

Dúvida cerca origem de Evangelho de Judas

BARRY MEIER
JOHN NOBLE WILFORD
DO "NEW YORK TIMES"

Quando a National Geographic anunciou com pompa e circunstância, na semana passada, que havia obtido acesso a um documento de 1.700 anos conhecido como o Evangelho de Judas, ela descreveu como o manuscrito, desenterrado no Egito três décadas atrás, atravessou as ruelas sombrias do mercado de antigüidades e foi parar nas mãos de uma comerciante de artes suíça que o "resgatou" da obscuridade.
Mas essa é só parte da história.
A negociante foi, ela mesma, detida anos atrás numa investigação sobre contrabando de antigüidades italianas. E, sem conseguir vender o evangelho no mercado privado, ela fechou acordo com uma fundação dirigida por seu advogado -pelo qual ela poderia ganhar tanto quanto ou mais do que com a venda frustrada.
Mais tarde, a National Geographic Society pagou a fundação para restaurar o manuscrito, e comprou os direitos do texto e a exclusividade de noticiar a sua descoberta. Como parte do trato com a fundação, a negociante Frieda Tchacos Nussberger pode ganhar até US$ 2 milhões com os projetos da National Geographic.
Os detalhes sobre a descoberta do manuscrito são nebulosos. Segundo a National Geographic, ele foi achado por lavradores numa caverna egípcia em 1970, vendido a um negociante e passou por várias mãos na Europa e nos EUA. Questões legais sobre esse trânsito também são vagas.
Ninguém questiona a autenticidade do documento, escrito em língua copta, que retrata Judas não como um traidor mas como o discípulo favorito de Jesus.
Mas os detalhes que emergem estão causando preocupação entre os arqueólogos, em tempos de um escrutínio cada vez maior sobre os vendedores de antigüidades e os museus que as compram. Também põem em dúvida a completude da apresentação, por parte da National Geographic, de indivíduos como Tchacos, e a transparência quanto aos relacionamentos financeiros envolvidos.
Terry Garcia, um dos vice-presidentes da sociedade, disse que a organização havia "ouvido alguns rumores" sobre possíveis problemas legais envolvendo Tchacos, mas não os pôde confirmar. Ele também ressaltou que a organização abriu informações sobre sua relação com a fundação, a Maecenas Foundation for Ancient Art.
Garcia disse que o histórico de Tchacos não é relevante para a história do Evangelho de Judas, e que a National Geographic abraçou o projeto pela oportunidade de salvar um documento único.
Mas acadêmicos contrários ao comércio de antigüidades se disseram perturbados pelo episódio. "Estamos lidando com um objeto contrabandeado", disse Jane Waldbaum, presidente do Instituto Arqueológico da América. "O artefato foi maltratado durante anos porque as pessoas que o tinham nas mãos estavam mais interessadas em ganhar dinheiro que em protegê-lo", afirmou.
De sua parte, Tchacos rejeitou qualquer sugestão de que estivesse tentando lucrar com o evangelho, e minimizou seus problemas com as autoridades italianas.
"Fui ao inferno e voltei e salvei algo para a humanidade", disse Tchacos, 65. "Eu o teria dado de graça a alguém que o salvasse."
A National Geographic pagou US$ 1 milhão à Maecenas Foundation pelo conteúdo do manuscrito. A fundação foi criada pelo advogado de Tchacos, Mario Roberty, que disse ter contatado autoridades egípcias quando recebeu o documento e dito que o manuscrito seria devolvido ao país.
Nas narrativas da National Geographic, Tchacos é retratada como alguém que tinha a convicção religiosa de restaurar o evangelho. "Acho que fui escolhida por Judas para reabilitá-lo", disse.
Nenhuma menção é feita sobre sua detenção em 2001 num caso envolvendo antigüidades tiradas ilegalmente da Itália. Tchacos disse que ela, como outros negociantes, teve problemas porque as leis sobre o comércio de antigüidades mudaram nos últimos anos.
A suíça comprou o Evangelho de Judas em 2000 por US$ 300 mil de outro negociante. Tentou vendê-lo à Universidade Yale (EUA), que não o comprou por ter dúvidas sobre sua origem. Em 2001, ela o vendeu por US$ 2,5 milhões a um outro negociante, que não pagou pela peça. Ajudada por Roberty, ela recuperou a propriedade sobre o manuscrito e o consignou à Maecenas Foundation.


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