São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2004

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ARQUEOLOGIA

Sítio está submerso

Homem fazia pão há 23 mil anos em Israel

CRISTINA AMORIM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Sob as águas do mar da Galiléia está a mais antiga evidência da presença de cereais na dieta humana. Uma pesquisa empurrou para 23 mil anos atrás o processamento de grãos selvagens de cevada e trigo -nada menos que 12 mil anos antes do esperado.
Naquela época, a humanidade vivia em pequenos grupos nômades e sobrevivia de caça e coleta. "Apesar de não termos observado uma domesticação dos cereais, é surpreendente descobrir que o homem produzia farinha de cevada já no [período] Paleolítico Superior", disse à Folha a paleobotânica Dolores Piperno, do Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical, sediado no Panamá.

Amido
Piperno e o arqueólogo Ehud Weiss, da Universidade Harvard (EUA), estudaram um bloco de basalto retirado do sítio Ohalo 2, que fica em uma área alagada na costa do mar da Galiléia, atual Israel. O material continha 127 grãos microscópicos de amido, 23 dos quais foram identificados como de cevada selvagem (Hordeum vulgare) -os outros grãos possuem estruturas muito similares ao trigo selvagem (Triticum monococcum e T. turgidum).
Pedras semelhantes foram escavadas em outros sítios no Velho Mundo, mas até hoje não foram encontradas evidências conclusivas que mostrem o seu uso para esmagar cereais. Piperno pretende analisar novamente algumas peças para tentar responder quando os primeiros grãos foram coletados de forma sistemática.

Matzá pré-histórica
Esses cereais eram processados em pedras de moer e formavam uma farinha, que era usada para fazer um tipo de pão. No mesmo sítio arqueológico, os pesquisadores encontraram pedras queimadas recheadas com cinzas e algumas frutas e grãos carbonizados. Para eles, essa é uma pista de que a massa era assada em um forno rudimentar -provavelmente o mesmo modelo usado até hoje por tribos nômades da região.
"O que descobrimos é uma ligação clara do Paleolítico [que durou até 10.000 anos atrás] com uma prática que se tornou dominante depois no mesmo local", afirma a paleobotânica.
No ano passado, a mesma Dolores Piperno, 54, descobriu a mais antiga evidência de agricultura nas Américas. No Panamá, ela achou fitólitos (pequenos cristais fossilizados) de abóboras domesticadas com 10 mil anos. "Há seis anos mudei meu foco para o Novo Mundo, em busca de estratégias similares [de agricultura] em outras partes", conta.
Até sua pesquisa, a teoria mais aceita colocava o México, há 6.000 ou 7.000, como o ponto de origem do pensamento agrícola no continente. Os dados levantados por Piperno também sugerem que populações em zonas equatoriais foram capazes de domesticar plantas locais sem ajuda.


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