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ASTRONÁUTICA
Diretor da Agência Espacial Européia vem ao Brasil e defende missões tripuladas próprias, sem EUA e Rússia
Europa quer ter independência no espaço
Roosevelt Cassio - 02.fev.2001/Folha Imagem
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Técnicos do Inpe trabalham no satélite sino-brasileiro CBERS-2 |
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Cooperação é a palavra mágica que garante que muitas nações tenham hoje programas espaciais tripulados. Mas poucos se lembram de que, no frigir dos ovos, só dois países têm tecnologia para enviar gente ao espaço: EUA e
Rússia. Um dos que vivem mais intensamente esse conflito é Ernst
Messerschmid, ex-astronauta e atual diretor do Centro para Treinamento de Astronautas da ESA,
a agência espacial européia.
Ele diz se incomodar com o fato
de que sua agência treina astronautas que não pode colocar em
órbita pelos próprios meios. "A
Europa precisa ter seu próprio
acesso ao espaço o mais rápido
possível", defende.
Messerschmid, 57, esteve no Rio
de Janeiro ontem para a inauguração de uma exposição sobre o
futuro dos vôos espaciais, num
evento que marca os 30 anos do
DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) no Brasil.
Nesta entrevista exclusiva à Folha, feita por correio eletrônico
antes de sua chegada, ele critica o
programa espacial chinês e conta
como foi participar da última
missão do ônibus espacial Challenger antes de sua explosão, em
1986. Leia os principais trechos:
Folha - A exposição que o sr. inaugura no Rio lida com o futuro desenvolvimento de estratégias novas e baratas para ir ao espaço.
Quais são os esforços atuais da ESA
a esse respeito?
Ernst Messerschmid - Até hoje,
apenas sistemas de transporte desenvolvidos ou fortemente apoiados por agências espaciais nacionais foram bem-sucedidos. Para
levar humanos ao espaço há apenas dois meios: o ônibus espacial
americano e a Soyuz russa.
No passado recente, a ESA concentrou seus esforços em tornar o
[foguete para lançamento de satélites] Ariane-5 disponível e a começar desenvolvimentos para aumentar a potência de seus motores. Os esperados vôos de demonstração do X-38 e do CRV
[Crew Return Vehicle, ou Veículo de Retorno da Tripulação, projetado para tirar astronautas da ISS em caso de emergência] foram adiados, provavelmente por decisão unilateral da Nasa de abandonar esses projetos. É uma situação
muito difícil para a ESA, para a indústria européia e os cientistas.
Folha - Considerando a perspectiva atual de reduzir custos de qualquer jeito, o sr. acredita que a Europa está na frente, já que seu principal investimento no espaço é o lançamento comercial de satélites?
Messerschmid - Definitivamente
não. O Ariane-5 é tecnicamente
muito competitivo, mas não economicamente. Além disso, a economia na UE não está no melhor estado. Neste momento, a Europa
não está pronta para apoiar um
programa de exploração.
Folha - É um contraste com o nascente programa espacial chinês,
que pretende levar um homem ao
espaço no ano que vem.
Messerschmid - A China parece
precisar fazer esse esforço para demonstrar seu progresso tecnológico e desenvolver tecnologias espaciais por razões políticas. O pedaço do foguete deles que pode transportar humanos é importado da Rússia. Qual é a meta deles?
No caso de um bem-sucedido primeiro vôo de um astronauta ao espaço, haveria alguma atenção -mas a que preço? Não estou convencido de que a Europa devesse fazer o mesmo apenas para demonstrar que pode.
Folha - E o que o sr. pensa do turismo espacial?
Messerschmid - É um pouco cedo demais. Deveríamos primeiro
explorar a ISS em toda a sua capacidade: ciência, desenvolvimento
tecnológico, exploração espacial.
Neste momento, cada turista que vai à ISS preocupa mais os parceiros internacionais do que dá lucros aos russos. US$ 20 milhões por vôo é provavelmente o custo verdadeiro da ISS por dia. As missões da Soyuz para turistas são apoiadas pela Nasa, ESA, CSA
[Agência Espacial Canadense] e Nasda [a equivalente japonesa] simplesmente para permitir aos russos sobreviverem como parceiros hoje em dia.
Folha - Como é treinar astronautas sem ter os meios para colocá-los no espaço?
Messerschmid - Você só pode ficar meio feliz de usar os talentos
alheios, sendo fortes ou até mais
fortes que os seus em alguns domínios. A reunião de culturas e os
talentos europeus efetivamente
usando suas qualidades espaciais
são uma espécie de compensação.
Mas a Europa precisa ter o mais
rápido possível seu próprio acesso ao espaço.
Folha - A Nasa reduziu a sua participação na ISS. A tripulação do
complexo foi reduzida de sete para
três. Como o sr. acha que é possível
lidar com essa redução?
Messerschmid - Não aceitaremos
uma tripulação de três por muito
tempo. Nosso objetivo primordial
de usar a ISS como um laboratório de primeira linha iria fracassar
completamente. Não vamos enganar a nossa comunidade científica dizendo a eles que podemos lidar com nossos objetivos iniciais
com uma tripulação de três. É por
isso que estamos em processo de
comprar nossos quarto e quinto
vôos para o complexo em 2003.
Folha - Falando de sua experiência como astronauta, o sr. esteve a
bordo do ônibus espacial Challenger em uma missão germano-americana. A Challenger explodiu no
ano seguinte. Como é olhar para
trás, lembrar da nave e pensar:
"Poderia ter sido eu"?
Messerschmid - A Challenger explodiu no vôo seguinte ao meu,
pouco mais de dois meses depois
de meu retorno à Terra. Fiquei
chocado. Amigos com quem eu
estava compartilhando o escritório de astronautas da Nasa, incluindo Christa McAuliffe [a professora que ia voar no ônibus espacial], foram mortos. Se a temperatura no dia da minha decolagem fosse a mesma de janeiro [de
1986, quando a Challenger explodiu], provavelmente não estaria
falando com você agora.
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