São Paulo, sábado, 14 de setembro de 2002

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ASTRONÁUTICA

Diretor da Agência Espacial Européia vem ao Brasil e defende missões tripuladas próprias, sem EUA e Rússia

Europa quer ter independência no espaço

Roosevelt Cassio - 02.fev.2001/Folha Imagem
Técnicos do Inpe trabalham no satélite sino-brasileiro CBERS-2


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Cooperação é a palavra mágica que garante que muitas nações tenham hoje programas espaciais tripulados. Mas poucos se lembram de que, no frigir dos ovos, só dois países têm tecnologia para enviar gente ao espaço: EUA e Rússia. Um dos que vivem mais intensamente esse conflito é Ernst Messerschmid, ex-astronauta e atual diretor do Centro para Treinamento de Astronautas da ESA, a agência espacial européia.
Ele diz se incomodar com o fato de que sua agência treina astronautas que não pode colocar em órbita pelos próprios meios. "A Europa precisa ter seu próprio acesso ao espaço o mais rápido possível", defende.
Messerschmid, 57, esteve no Rio de Janeiro ontem para a inauguração de uma exposição sobre o futuro dos vôos espaciais, num evento que marca os 30 anos do DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) no Brasil. Nesta entrevista exclusiva à Folha, feita por correio eletrônico antes de sua chegada, ele critica o programa espacial chinês e conta como foi participar da última missão do ônibus espacial Challenger antes de sua explosão, em 1986. Leia os principais trechos:

Folha - A exposição que o sr. inaugura no Rio lida com o futuro desenvolvimento de estratégias novas e baratas para ir ao espaço. Quais são os esforços atuais da ESA a esse respeito?
Ernst Messerschmid -
Até hoje, apenas sistemas de transporte desenvolvidos ou fortemente apoiados por agências espaciais nacionais foram bem-sucedidos. Para levar humanos ao espaço há apenas dois meios: o ônibus espacial americano e a Soyuz russa.
No passado recente, a ESA concentrou seus esforços em tornar o [foguete para lançamento de satélites] Ariane-5 disponível e a começar desenvolvimentos para aumentar a potência de seus motores. Os esperados vôos de demonstração do X-38 e do CRV [Crew Return Vehicle, ou Veículo de Retorno da Tripulação, projetado para tirar astronautas da ISS em caso de emergência] foram adiados, provavelmente por decisão unilateral da Nasa de abandonar esses projetos. É uma situação muito difícil para a ESA, para a indústria européia e os cientistas.

Folha - Considerando a perspectiva atual de reduzir custos de qualquer jeito, o sr. acredita que a Europa está na frente, já que seu principal investimento no espaço é o lançamento comercial de satélites?
Messerschmid -
Definitivamente não. O Ariane-5 é tecnicamente muito competitivo, mas não economicamente. Além disso, a economia na UE não está no melhor estado. Neste momento, a Europa não está pronta para apoiar um programa de exploração.

Folha - É um contraste com o nascente programa espacial chinês, que pretende levar um homem ao espaço no ano que vem.
Messerschmid -
A China parece precisar fazer esse esforço para demonstrar seu progresso tecnológico e desenvolver tecnologias espaciais por razões políticas. O pedaço do foguete deles que pode transportar humanos é importado da Rússia. Qual é a meta deles? No caso de um bem-sucedido primeiro vôo de um astronauta ao espaço, haveria alguma atenção -mas a que preço? Não estou convencido de que a Europa devesse fazer o mesmo apenas para demonstrar que pode.

Folha - E o que o sr. pensa do turismo espacial?
Messerschmid -
É um pouco cedo demais. Deveríamos primeiro explorar a ISS em toda a sua capacidade: ciência, desenvolvimento tecnológico, exploração espacial. Neste momento, cada turista que vai à ISS preocupa mais os parceiros internacionais do que dá lucros aos russos. US$ 20 milhões por vôo é provavelmente o custo verdadeiro da ISS por dia. As missões da Soyuz para turistas são apoiadas pela Nasa, ESA, CSA [Agência Espacial Canadense] e Nasda [a equivalente japonesa] simplesmente para permitir aos russos sobreviverem como parceiros hoje em dia.

Folha - Como é treinar astronautas sem ter os meios para colocá-los no espaço?
Messerschmid -
Você só pode ficar meio feliz de usar os talentos alheios, sendo fortes ou até mais fortes que os seus em alguns domínios. A reunião de culturas e os talentos europeus efetivamente usando suas qualidades espaciais são uma espécie de compensação. Mas a Europa precisa ter o mais rápido possível seu próprio acesso ao espaço.

Folha - A Nasa reduziu a sua participação na ISS. A tripulação do complexo foi reduzida de sete para três. Como o sr. acha que é possível lidar com essa redução?
Messerschmid -
Não aceitaremos uma tripulação de três por muito tempo. Nosso objetivo primordial de usar a ISS como um laboratório de primeira linha iria fracassar completamente. Não vamos enganar a nossa comunidade científica dizendo a eles que podemos lidar com nossos objetivos iniciais com uma tripulação de três. É por isso que estamos em processo de comprar nossos quarto e quinto vôos para o complexo em 2003.

Folha - Falando de sua experiência como astronauta, o sr. esteve a bordo do ônibus espacial Challenger em uma missão germano-americana. A Challenger explodiu no ano seguinte. Como é olhar para trás, lembrar da nave e pensar: "Poderia ter sido eu"?
Messerschmid -
A Challenger explodiu no vôo seguinte ao meu, pouco mais de dois meses depois de meu retorno à Terra. Fiquei chocado. Amigos com quem eu estava compartilhando o escritório de astronautas da Nasa, incluindo Christa McAuliffe [a professora que ia voar no ônibus espacial], foram mortos. Se a temperatura no dia da minha decolagem fosse a mesma de janeiro [de 1986, quando a Challenger explodiu], provavelmente não estaria falando com você agora.


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