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ECOLOGIA
Árvore amazônica defende-se de traição de formiga destruindo abrigos para o inseto em suas folhas, revela estudo
Planta engana formiga que engana planta
MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA
Hirtella myrmecophila e Allomerus octoarticulatus vivem um
casamento desigual e tempestuoso, é o mínimo que se pode dizer.
A aparência é de uma relação consensual e de benefício mútuo, mas
o parceiro vive enganando a parceira, que revida com mais trapaça -assim como em muitos relacionamentos humanos.
A analogia é tentadora, mas termina por aqui. H. myrmecophila
é uma pequena árvore de terra firme da região amazônica, que, como o nome sugere, tem uma predileção especial por formigas
("myrmex", em grego). A. octoarticulatus, por seu turno, é a espécie desse inseto que a evolução
encarapitou na planta, condenando-a a viver apenas nos galhos
daquela espécie vegetal.
Ambos os organismos contraíram uma relação que a biologia
chama de mutualismo, em que a
associação traz benefícios para as
duas partes.
No caso, a formiga protege a
planta de outros insetos comedores de folhas e dela recebe abrigo,
em bolsas na base das folhas conhecidas como domáceas (veja
quadro à direita). Isso, claro, sem
mencionar as trapaças.
Traição
As mirmecófitas -como são
batizadas as plantas ("phyto", em
grego) que se associam com formigas- são velhas conhecidas da
biologia e de Heraldo Vasconcelos, ecólogo do Instituto de Biologia da Universidade Federal de
Uberlândia, em Minas Gerais.
Também são estudadas e documentadas as traições por formigas, que abusam da hospitalidade
e acabam prejudicando o parceiro
vegetal -por exemplo, impedindo-o de produzir flores e, consequentemente, de se reproduzir.
Inédita, para a ciência, era a
adaptação que a H. myrmecophila desenvolveu para revidar o logro por parte do inseto. Ela foi estudada em detalhe por Thiago Izzo, orientando de Vasconcelos
quando ainda atuava no Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus.
Izzo estudou 600 plantas da espécie, numa floresta de 800 hectares mantida pelo projeto Biodinâmica de Fragmentos Florestais
(colaboração entre o Inpa e a
Smithsonian Institution, dos Estados Unidos) a 70 quilômetros
ao norte de Manaus.
Do total de árvores inspecionadas pelo cientista, 583 (97,16%)
possuíam colônias da formiga
Allomerus octoarticulatus.
Quando a casa cai
Izzo percebeu que havia galhos
sem domáceas e sem formigas,
mas com inflorescências (grupo
de flores com um pedúnculo comum). Já nos galhos com as bolsas cheias de formigas, não havia
estruturas de reprodução vegetal.
"A novidade do nosso trabalho
está em demonstrar que a planta
se livra da domácea e, assim, das
formigas quando essas se tornam
indesejáveis", diz Vasconcelos,
referindo-se ao hábito incômodo
do hóspede de cortar inflorescências para abrir espaço às folhas.
Aparentemente, a planta desenvolveu algum mecanismo bioquímico que derruba a casa das formigas quando as folhas alcançam
certa idade. Com o galho todo livre dos insetos folgados, as inflorescências podem enfim brotar.
"No jargão dos estudiosos de
mutualismos, chamamos isso de
"trapaça", já que, para benefício
próprio, a formiga prejudica o seu
parceiro", diz o ecólogo da Universidade Federal de Uberlândia.
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