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+ Marcelo Gleiser
Injustiças do Nobel
Otto Hahn foi um grande cientista e merecia o prêmio.
Mas não sozinho
Na semana que passou foram
anunciados os Prêmios Nobel
de Física e Química. Com certeza, alguns cientistas devem ter ficado agoniados, esperançosos de que este seria seu ano. Lembro-me bem,
quando fazia meu pós-doutorado no
Instituto de Física Teórica da Universidade da Califórnia, de que o físico
Frank Wilczek ficava extremamente
nervoso nessa época. Wilczek finalmente ganhou seu merecido Nobel
em 2004, dividindo-o com David
Gross e David Politzer. Os três descobriram uma propriedade importante
das partículas chamadas quarks, que
compõem os prótons e nêutrons no
núcleo atômico. Imagino que Wilczek
durma mais sossegado desde então.
O mesmo não pode ser dito de alguns físicos e químicos que não foram
homenageados pelo prêmio, especialmente aqueles cujos próprios colegas,
trabalhando nas descobertas com que
estavam associados, o foram. Talvez o
exemplo mais flagrante disso seja o
Prêmio Nobel de Química de 1944, dado ao alemão Otto Hahn, "pela descoberta da fissão nuclear".
A fissão é o processo no qual núcleos pesados, como os de urânio e
plutônio, podem ser divididos quando
atingidos por um nêutron ou outra
partícula. É a fissão que está por trás
do funcionamento dos reatores nucleares e das bombas atômicas, como
as detonadas em Hiroshima e Nagasaki no final da 2ª Guerra Mundial.
Hahn foi um grande cientista e merecia o Nobel. Mas não sozinho. Seus
resultados foram o fruto de uma colaboração de anos com a física austríaca
Lise Meitner, iniciada em 1917. Meitner teve um papel fundamental na
história da física nuclear.
Forçada a fugir da Alemanha nazista em 1938 com apenas um anel de
diamante no bolso, ela encontrou asilo na Suécia. Mesmo assim, continuou
a corresponder-se com Hahn, que
manteve seus experimentos em Berlim. Em 1939, Hahn publicou seus resultados sobre a fissão do urânio nos
elementos bário e criptônio. No dia
seguinte, Meitner e seu sobrinho Otto
Frisch publicam um artigo com a teoria por trás dos resultados de Hahn.
Mesmo que Hahn tenha, em seu discurso de aceitação do Nobel em 1946,
prestigiado a importância de Meitner
em suas descobertas, nem ele nem o
Comitê da Academia Real da Suécia
viram como necessário que dividisse o
prêmio com ela e Frisch, ou mesmo
com Fritz Strassmann, que trabalhou
com Hahn em seu laboratório. Como
consolo, Hahn, Meitner e Strassmann
dividiram a medalha Fermi em 1966,
dada pelo governo americano. Mas a
injustiça nunca foi corrigida.
Outro exemplo, mais próximo de
nossa casa, é o do físico César Lattes,
morto em 2005, um dos grandes nomes da ciência nacional. Em 1947,
com apenas 23 anos, Lattes foi para a
Universidade de Bristol, na Inglaterra,
trabalhar no laboratório de Cecil Powell. Powell havia desenvolvido um
método para detectar partículas submicroscópicas conhecido como emulsão nuclear, baseado no uso de placas
fotográficas especializadas. Lattes
aprimorou o método de Powell, convencendo a Kodak a aumentar a sensibilidade das placas, adicionando
maiores quantidades de boro.
Munido das novas placas, Lattes e a
equipe de Powell descobriram uma
nova partícula da matéria, o méson pi
(ou píon), responsável pelas interações entre prótons e nêutrons no núcleo atômico. Em 1947, o grupo escreveu um artigo para a revista "Nature"
com a seguinte ordem de autores: C.
Lattes, H. Muirhead, G. Occhialini e C.
Powell. Ou seja, alfabética, com Lattes
como primeiro autor. Em 1950, Powell recebeu o Nobel sozinho. Lattes,
que fez muitas outras descobertas,
nunca se conformou com a omissão.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo".
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