São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 2008

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Grupo estuda cegueira hereditária no ES

Maior família do mundo portadora de gene da atrofia óptica de Leber é capixaba; álcool e fumo pioram o prognóstico

Há oito anos, após mal surgir em filho, bancária aposentada fez a história de sua família chegar ao mundo científico via e-mail

Gabriel Lordêllo/Mosaico Imagem
Pedro Henrique, 21, que há sete anos perdeu quase toda a visão, usa lente especial para ler textos na tela do seu computador

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma missão internacional de oftamologistas deixou Colatina (ES) na semana passada. O grupo de brasileiros, americanos e italianos fazia sua visita anual à maior família do mundo portadora de atrofia óptica de Leber, doença que causa a morte de células do nervo óptico e leva o paciente à cegueira. O problema surge em um dos olhos e em poucas semanas atinge o outro.
Graças ao grito desesperado de uma mãe -na forma de 250 mensagens eletrônicas enviadas em junho de 2001- até agora quase 300 pessoas de sete gerações distintas foram avaliadas pelos cientistas.
Todos os indivíduos investigados têm as mutações genéticas características da doença. O mal é passado apenas da mãe aos seus filhos, pois é um problema no chamado DNA mitocondrial, que toda pessoa herda apenas por via materna. Na família capixaba examinada, há 26 pessoas com perda de visão severa. Outras 12, que também tiveram a doença, morreram por causas diversas.
Desde que os estudos começaram, há oito anos, cientistas reuniram vasta informação sobre a biologia da atrofia de Leber. Mas, de efetivo, para os pacientes, não existe tratamento.
"Nestes oito anos, quatro pessoas da minha família desenvolveram a doença. Ela avança de forma muito mais rápida [do que o conhecimento científico]", lamenta Maria Odete Moschen, 60 anos, que é portadora do gene, mas não desenvolveu a doença.
Odete é a responsável pelos cientistas terem identificado a maior família do mundo com Leber. O filho dela, Pedro Henrique, desenvolveu a doença aos 14 anos. "Aquilo foi a morte para mim. Não me conformava com o que diziam, que era uma "praga'", diz Odete. O apelo da mãe na internet teve resposta, entre várias outras, de uma ONG dos EUA, a Ifond (Fundação Internacional para a Doença do Nervo Óptico, na sigla em inglês). Um membro do grupo falou do caso para o brasileiro Rubens Belfort Jr., da Unifesp.
Após oito anos de estudos, no interior dos laboratórios, dentro do caminhar que às vezes parece moroso da ciência, os resultados obtidos são comemorados pelos cientistas.
"Além de identificarmos a maior família com a mutação 11778 [as alterações genéticas nas mitocôndrias costumam receber números], nós temos vários resultados confiáveis, por essa oportunidade de estudarmos muitos casos ao mesmo tempo", afirma Solange Salomão, pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), integrante do grupo de estudos desde o início.
Outro avanço já conseguido é sobre os fatores ambientais que fazem a doença surgir na família estudada. "Todos estão cientes do risco que correm com uso excessivo de álcool e tabagismo", diz Salomão.
Segundo Moschen, a maior parte de sua família, além de viver na zona rural e ter tido contato com a lavoura, costuma consumir álcool e fumar. "Mas não são todos", afirma.

Alterações iniciais
De acordo com Salomão, outro ponto positivo das pesquisas foi a observação de alterações parciais de visão nos portadores da mutação, que acabam não desenvolvendo a doença. "São pequenas diferenças na sensibilidade ao contraste, na visão de cores e na configuração do fundo dos olhos."
O estudo dessas mudanças, flagradas em pessoas que no começo dos estudos não tinham a doença, mas depois a contraíram, é fundamental. "Tentamos agora determinar quais exames de rotina podem ter valor preditivo", diz Salomão.
De acordo com Moschen, mesmo sem terapia, o importante é que a informação circule. "Outras pessoas que têm a doença, depois que as pesquisas começaram, me procuraram e agora estão também mais bem informadas", afirma.
E isso, diz a aposentada do Banco do Brasil, também é importante, diante de uma doença que ainda é incurável.


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