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Humanos já alteraram 100% dos oceanos
Mapa mostra que não existem mais áreas marítimas "virgens" no planeta
Levantamento indica que 40% da cobertura oceânica está altamente deteriorada; montes marinhos e recifes estão entre os mais afetados
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BOSTON
Quem olha de uma praia para
o oceano e imagina, além do litoral, vastidões de mar intocadas pelos seres humanos vai levar um balde de água fria hoje:
o primeiro levantamento global já feito do impacto da humanidade sobre os mares mostra que não existe um metro cúbico sequer da vastidão azul
que seja realmente "virgem".
O estudo, que deu origem ao
mapa desta página, compilou as
bases de dados existentes sobre
17 impactos humanos de 20 dos
24 grandes tipos de habitat marinho. Não só não existem áreas
intocadas, mas também pelo
menos 40% do oceano está fortemente afetado.
Fatores como poluição inorgânica, acidificação, elevação
global da temperatura do mar,
pesca de arrasto e espécies invasoras estão transformando
quase metade dos mares da
Terra em "desertos de água".
"Isso é notável, quando se
considera a vastidão dos oceanos", disse Benjamin Halpern,
pesquisador da Universidade
da Califórnia em Santa Barbara
(EUA). Ele e colegas apresentaram o estudo, publicado hoje na
revista "Science", numa entrevista coletiva ontem na reunião
anual da AAAS (Associação
Americana para o Avanço da
Ciência), em Boston.
Segundo Fiorenza Micheli,
da Universidade Stanford, nas
regiões mais impactadas até
50% dos grupos de seres vivos
sumiram do ecossistema. Ali,
predadores como cetáceos e tubarões, estão ausentes; há mais
espécies invasoras; no caso de
recifes de coral, seções inteiras
da cadeia alimentar inexistem.
Para uma espécie que depende de recursos marinhos, como
o Homo sapiens, seguir com esse estrago equivale a matar a
galinha dos ovos de ouro.
O mar do Norte, o leste do
Caribe e as águas do Japão estão entre as áreas mais afetadas. Mas praticamente todas as
regiões costeiras do globo têm
uma fina faixa vermelha.
Montanhas submersas
Entre os ecossistemas, a situação mais grave é a dos montes marinhos. Essas imensas
montanhas subaquáticas, algumas mais altas que o Everest,
abrigam corais que são um dos
alvos preferidos da pesca de arrasto, que "raspa" o fundo do
mar destruindo e cobrindo de
lama tudo no caminho.
"Quanto mais fundo você está, mais tempo o ecossistema
demora para se recuperar", diz
Les Watling, bióloga da Universidade do Havaí. "Uma recomposição que leva dezenas de
anos em águas rasas leva séculos para acontecer em montes
marinhos."
Exemplos disso estão nos
oceanos Austral e Ártico, duas
das zonas que ainda exibem a
cor azul brilhante no mapa acima, que caracteriza áreas com
influência humana muito baixa
(fator de impacto menor que
1,4, numa escala definida pelo
grupo que vai até 15,5).
Como o grupo de Micheli e
Halpern baseou seu trabalho
em bases de dados oficiais, como a da FAO (órgão das Nações
Unidas para a alimentação e
agricultura), a sobrepesca ilegal
da qual há relatos na Antártida
simplesmente não aparece. A
poluição do hemisfério Norte,
que afeta o Ártico, também não
foi computada, e efeitos do degelo acelerado dos pólos, causado pela mudança climática, ficaram de fora.
Mesmo áreas como a imensa
"ilha" de águas prístinas no
meio do Atlântico, estendendo-se do Nordeste do Brasil quase
até a África, podem ter permanecido relativamente intocadas mais por motivos perversos
do que por desejo de preservação. "No período que olhamos,
de 2000 a 2005, a atividade
pesqueira se mudou de algumas áreas, e outras já são desertos biológicos [regiões naturalmente pobres em pescado]",
disse Micheli à Folha.
Se por um lado isso é um problema, por outro pode indicar
um dado positivo: vários ecossistemas marinhos conseguem
se recuperar rápido depois que
o fator de impacto (no caso, a
sobrepesca) desaparece. Segundo os cientistas, isso deve
estimular os governos a agir
globalmente para proteger os
mares. "Estamos fazendo as
coisas ao contrário", diz Watling. "Não deveríamos criar
áreas marinhas protegidas e
sim criar zonas de pesca ou de
pesca de arrasto."
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