São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 2006

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BIOSSEGURANÇA

Ministra comemora decisão de exigir rastreamento em transgênico; para empresário, voto de Lula foi "partidário"

Apoio a rótulo foi unilateral, diz indústria

MARI TORTATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, comemorou ontem ao lado de movimentos sociais a decisão do governo brasileiro de defender a adoção do termo "contém OVMs (organismos vivos modificados)" nos rótulos de produtos transgênicos para exportação. A posição, no entanto, recebeu críticas pesadas de empresários e representantes do agronegócio, que a classificaram de contrária aos interesses econômicos do país e até unilateral.
Anunciada anteontem à noite, a decisão será defendida pelo país durante a MOP-3 (3º Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena), reunião da ONU sobre biossegurança que acontece em Curitiba. A posição brasileira sugere um período de quatro anos para a transição, durante a qual será usada a expressão "pode conter" nos casos em que ainda não é feita a separação entre produtos com e sem OVMs.
Mesmo assim, a proposta foi recebida como uma vitória dos ambientalistas -não só por Marina, mas também pelas entidades que participam do Fórum Global da Sociedade Civil, em evento paralelo à MOP-3. Na mesa, ao lado de Marina, estavam o líder nacional do MST, João Pedro Stedile, e o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB).
O apoio à ministra veio com uma crítica aos quatro anos de transição. Uma nota conjunta de todos os participantes do fórum diz que as entidades ficaram "alarmadas" com o prazo. "O Protocolo de Biossegurança já foi objeto de negociações por cinco anos e prorrogado por mais dois. Então, o agronegócio já teve sete anos para se adaptar", disse a representante da Terra de Direitos, Maria Rita Reis.

Contraponto
A CNI (Confederação Nacional da Indústria não se manifestou diretamente sobre a decisão do governo brasileiro, mas reiterou que optar pela expressão "pode conter" na identificação dos carregamentos seria o mais desejável do ponto de vista econômico.
Em comunicado oficial, a CNI disse que a adesão ao contém acarretaria um custo extra de US$ 50 milhões por ano à indústria brasileira, o que "tiraria a competitividade do país em relação a grandes exportadores de commodities como os EUA e a Argentina, que não são signatários do documento". Para a confederação, o custo para fazer a triagem deveria ir para o importador, e não para os países exportadores.
Gilman Viana, do Departamento de Comércio Exterior da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), condenou o que chama de "partidarização de um assunto técnico" -segundo ele, a decisão, arbitrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, veio para agradar os membros de seu próprio partido. "A maioria dos ministros estava contra o "contém", foi uma decisão centralizadora."
Viana também contestou o argumento de que o critério mais restritivo abriria as portas de mercados como o europeu, que exige o rastreamento, para a soja transgênica brasileira. "A Europa inteira quer o produto segregado, mas não paga um centavo a mais por isso." Em tese, os grandes produtores de grãos que estão fora do Protocolo de Cartagena (como EUA e Argentina) seriam forçados a se adequar às novas regras, coisa da qual Viana duvida. "É impossível atender a demanda só com a produção dos membros do protocolo", diz.
Marina Silva disse que o prazo proposto não significa esperar quatro anos para se fazer a identificação. "Ela é cumulativa e processual. Você vai criando a estrutura para segregar [o produto transgênico] e para a preservação dos eventos e, ao mesmo tempo, vai fazendo a identificação."
"Não podemos mais sacrificar os recursos [naturais] de milhões e milhões de anos pelo lucro de alguns anos", disse a ministra aos participantes. Segundo ela, foi com essa convicção que aceitou ser ministra do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O rótulo que confirma a presença de transgênicos em cargas para exportação é a regra defendida pela maioria dos 132 países signatários do protocolo. Espera-se que a nova posição brasileira acabe com o impasse sobre a questão -antes, o país era um dos únicos a defender o "pode conter".

"Contém Marina"
O governador Roberto Requião disse que, depois de "um discurso duro" contra o governo na abertura da MOP-3, contra a posição dúbia do Brasil, precisou reconhecer que o governo Lula "também contém Marina Silva".
Stedile afirmou que o governo brasileiro tem de fazer o agronegócio cumprir a exigência de rotulagem explícita nos alimentos que contêm OVMs e chegarão ao consumidor -aspecto não regulado pelo protocolo. "Não são eles que dizem que transgênico não faz mal à saúde? Então, por que têm vergonha?"


Colaborou Reinaldo José Lopes, da Reportagem Local


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