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Arte engajada
Evolução
da pintura rupestre
na Amazônia acompanhou mudanças sociais
milênios afora
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Astecas, maias e incas. O legado artístico desses povos
precolombianos é
sempre descrito como exuberante e riquíssimo.
Quando o foco é dirigido para
os antigos moradores da Amazônia, porém, é difícil ir além
da fabricação de cerâmicas.
Ou era, porque o estudo da
arte rupestre na floresta, segundo pesquisas ainda inéditas
da arqueóloga Edithe Pereira,
do Museu Paraense Emílio
Goeldi, de Belém (PA), pode
mudar de forma contundente
esse cenário arqueológico.
O sítio de Monte Alegre, no
Pará, tem várias pinturas em
rochas. As mais antigas, datadas de forma indireta, foram
feitas provavelmente há 11.200
anos. Seria o início de uma escola amazônica de pintura?
Para a principal especialista
em arte rupestre amazônica, o
que se pode afirmar é que houve pelo menos dois períodos
distintos em que essas pinturas
foram feitas. As análises mais
recentes de Pereira mostram
que houve uma efervescência
cultural em Monte Alegre em
uma época bem mais recente, e
não exclusivamente no início
da ocupação da região.
"O período de 1000 a.C a
1.000 d.C. se apresenta como
um momento de mudança no
tocante à organização na sociedade, na política, na economia,
na demografia e na cultura material de Monte Alegre", disse a
pesquisadora à Folha.
Todas essas mudanças aparecem incorporadas à atividade
gráfica rupestre, afirma a arqueóloga. "A representação da
figura humana é evidenciada
na cultura material [cerâmicas], e na arte rupestre, principalmente a partir do primeiro
milênio da nossa era", diz.
Os dados que os arqueólogos
têm em mãos hoje permitem
afirmar que pintores trabalharam na região de Monte Alegre
por vários milênios. "Houve
um período mais antigo, dominado por temas como a representação de animais e de formas geométricas (grafismos
puros), e um período mais recente, no qual estilos artísticos
da região do baixo Amazonas,
seja na cerâmica ou na arte rupestre, predominam."
Essa configuração mais recente do legado dos antigos
amazônidas emerge a partir de
comparações estilísticas, presentes nas cerâmicas e nas pinturas, tanto de Monte Alegre
como da Prainha, outro sítio
arqueológico amazônico sob
constantes análises científicas.
Nessas pinturas mais recentes, diz Pereira, o tema dominante é a figura humana, mas
ele não é uma exclusividade.
"Há algumas figuras de animais
e grafismos puros [no período
mais recente] que são similares
nos dois suportes -rocha e cerâmica", diz a pesquisadora.
Para o arqueólogo Eduardo
Neves, da USP (Universidade
de São Paulo), o problema é
que "existe mesmo um "buracão" cronológico entre mais ou
menos 8.000 anos antes do
presente e uns 3.000 anos".
Mesmo no caso das pinturas,
diz Neves, a questão das datas
pode ser relativizada. "Nunca
houve uma datação das pinturas. O que foi feito, pela arqueóloga Anna Roosvelt [cientista americana], é uma datação de "pingos" de tinta achados
no solo, em Monte Alegre". Os
métodos disponíveis hoje ainda não permitem datar muito
bem as imagens sobre rochas.
Floresta sitiada
Apesar de ser recente o estudo da arte rupestre na Amazônia -o primeiro grande livro
sobre o tema, escrito por Pereira, é de 2004- algumas certezas começam a sedimentar, diz
a pesquisadora do Goeldi.
"É possível afirmar que os tipos de pintura da Amazônia são
diferentes das feitas no Nordeste", diz. A região da Serra da
Capivara, no Estado do Piauí, é
mundialmente famosa por suas
pinturas rupestres.
As pinturas paraenses e dos
demais Estados da Amazônia
brasileira, como as de Roraima
e do Amapá, afirma Pereira, estão mais próximas de artes rupestres identificadas nos outros países amazônicos, como
na Colômbia e na Venezuela.
Para discutir isso, pesquisadores que estudam arte rupestre em todas as regiões amazônicas vão se reunir entre os dias
29 junho e 3 de julho no Parque
Nacional Serra da Capivara, no
Global Rock Art (Congresso Internacional de Arte Rupestre).
"Não é que não exista arte rupestre na Amazônia. Muitas vezes, os hiatos existem porque
faltam pesquisas nesse tema.
Na prática, essa área começou
há alguns anos", diz Pereira.
Tanto na Amazônia quanto
no Piauí, onde a antropóloga
Niede Guidon luta para manter
intacto os sítios arqueológicos,
qualquer descoberta científica
ajudará, também, a elucidar um
outro dilema nem tão artístico
assim: os primeiros passos da
espécie humana nas Américas.
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