|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª
AL GORE
"Podemos solucionar a crise do clima, com folga"
Apesar do fracasso de Copenhague e da crise do IPCC, Al Gore se diz otimista
O otimismo de Al parece incorrigível. Desde que
perdeu a eleição presidencial de 2000 para George W. Bush, o democrata se dedica em tempo integral a pregar obstinadamente sobre os riscos da
mudança do clima. Seu evangelho verde se espalha em dois livros, "Uma Verdade Inconveniente"
e "Nossa Escolha" (editora Manole). O primeiro
originou documentário que levou o Oscar, em
2007, mesmo ano em que ganhou o Nobel da Paz.
O Nobel, porém, foi dividido com o IPCC, ora sob
investigação. Apesar do golpe na credibilidade da
ciência do clima e do fracasso de Copenhague, Gore não se faz de rogado: "Podemos solucionar
completamente a crise do clima, com folga".
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
O subtítulo do novo livro de
Gore é "Um Plano para Solucionar a Crise Climática". O
primeiro se concentrava em expor as previsões de pesquisadores sobre o futuro da atmosfera
da Terra, algumas bem mais catastróficas que as do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). Agora
o apóstolo se volta para as sugestões compiladas em 30 "cúpulas de soluções" que organizou nos últimos três anos pelo
mundo afora.
Sua fé renovada se ancora na
tecnologia. Máquinas como o
satélite Triana/DSCOVR, congelado por Bush anos a fio, revelarão aos olhos de todos a
verdade sobre a saúde combalida da Terra. Redes inteligentes
para transmissão de eletricidade permitirão administrar a sazonalidade e a intermitência
das fontes renováveis de energia mais promissoras -eólica,
de biomassa e solar.
Por vida das dúvidas, Gore
continua acreditando no poder
do cinema para converter os
céticos. Adorou "Avatar", de
James Cameron, "uma poderosa metáfora" sobre a força irresistível da natureza. Nos dias
26 e 27 ele estará com Cameron
em Manaus, para palestras no
Fórum Internacional de Sustentabilidade.
FOLHA - Seu recente livro "Nossa
Escolha" transmite uma mensagem
tão sóbria quanto otimista: uma catástrofe inimaginável nos espreita
se não agirmos, mas ainda há tempo e ferramentas bastantes para solucionar três ou quatro crises do clima. Não é otimismo demais?
AL GORE - Acho que não. Nos últimos três anos organizei mais
de 30 "cúpulas de soluções"
com os maiores engenheiros,
cientistas e empresários do
mundo e fiquei agradavelmente surpreso ao descobrir como
está avançado o desenvolvimento dessas soluções.
O Brasil, por exemplo, tem liderado o mundo ao inovar um
meio muito eficaz de empregar
biomassa [cana-de-açúcar] para substituir combustíveis líquidos baseados em petróleo.
De modo similar, outros países
fizeram progressos em energia
solar, eólica e geotérmica.
Portanto, não acho que seja
otimista demais, de jeito nenhum. Mas o ingrediente essencial continua a ser vontade
política. Mesmo com a sensacional liderança do Brasil em
Copenhague, o mundo como
um todo ainda não forneceu
vontade política suficiente para
implementar as soluções em
grande escala. Mas estou otimista que o farão.
FOLHA - Eu me referia à sua afirmação de que "três ou quatro" crises
climáticas podem ser solucionadas
com as ferramentas à mão.
GORE - Se nos lançarmos numa
guinada para formas de energia
renováveis e de baixo carbono
em transportes, imóveis residenciais e comerciais e agricultura e silvicultura sustentáveis,
podemos solucionar totalmente a crise do clima, com folga.
FOLHA - Há um componente tecnológico forte em seu otimismo:
computadores e satélites nos ajudarão a enxergar a luz [da verdade] sobre o planeta e seu clima. Mas o
exemplo do satélite DSCOVR/Triana, do livro, também pode ser visto
como um alerta sobre o poder dos
governos de impedir que isso aconteça. Tecnologia e ciência sairão
sempre vitoriosos?
GORE - (Ri) Depende de nós,
em nossos respectivos países,
garantir que as políticas públicas se baseiem na melhor ciência e na melhor informação disponíveis. No caso do Triana: o
satélite acaba de ser incluído no
orçamento do presidente Obama para este ano.
FOLHA - Foi mero atraso, então?
GORE - Um longo e custoso
atraso. Os negacionistas do clima têm combatido em todas as
frentes para impedir o progresso. Há alguns que acreditam genuinamente que não se trata de
uma crise, mas o grosso da oposição vem dos maiores poluidores de carbono, que não querem ser obrigados a assumir a
responsabilidade por deitar fora enormes quantidades de poluição na atmosfera terrestre,
como se ela fosse um imenso
esgoto a céu aberto.
Assim como as companhias
de tabaco lutaram contra as limitações à comercialização de
cigarros atacando os cientistas
que fizeram a ligação entre cigarros e doenças do pulmão, os
grandes poluidores de carbono
estão atacando os cientistas
que conduziram os estudos
mostrando conclusivamente
que a poluição do aquecimento
global produzida pelo homem
está causando a crise do clima.
FOLHA - A espécie humana jamais
fez uma escolha coletiva sobre seu
futuro. O sr. é o primeiro a dizer, no
livro, que essa perspectiva parece
absurda. O que o deixa tão seguro
de que estamos à altura da tarefa?
GORE - Nós temos de fazê-lo,
para expressar o amor que temos pelos nossos netos. Para
evitar sermos lembrados pelas
gerações futuras como uma geração criminosa, que ignorou
de forma egoísta e cega os claros sinais de que o seu destino
estava em nossas mãos. Porque
o modo como fomos criados
nos dá um respeito destemido
pela verdade e pela justiça.
Não importa quanto tempo
ela seja obscurecida por aqueles que encaram a verdade como inconveniente, cedo ou tarde os anjos de nossa melhor natureza vencerão.
FOLHA - O sr. é mesmo otimista.
GORE - Houve momentos no
passado em que a civilização foi
confrontada com ameaças que
pareciam inimaginavelmente
difíceis. O totalitarismo ameaçou exterminar a liberdade. Pareceu improvável, em alguns
instantes, que as forças da democracia e da liberdade venceriam. Mas elas conseguiram, se
puseram à altura do desafio.
Houve outros exemplos.
Muitos achavam que as mulheres nunca receberiam permissão para votar e participar de
modo igualitário na sociedade.
Nos séculos passados, muitos
achavam que a escravidão era
uma condição natural, que deveria ser tolerada.
FOLHA - Há muitos lugares do
mundo onde o totalitarismo ainda é
uma ameaça e os direitos das mulheres não são respeitados.
GORE - Nos primeiros anos da
Segunda Guerra Mundial, era
forte a ameaça de que o totalitarismo iria extinguir a liberdade. Com a vitória, a democracia
ganhou essa luta e claramente o
movimento está a favor da democracia e da liberdade, hoje.
FOLHA - Mas isso nos custou uma
guerra enorme e sangrenta.
GORE - É verdade.
FOLHA - Espero que não cheguemos a tanto no clima.
GORE - (Ri) Isso não vai acontecer.
FOLHA - Se o sr. tiver de destacar
uma prioridade em termos de energia, seria a eólica? Ou seria mais esperto, para países como o Brasil, investir antes na montagem de uma
super-rede elétrica inteligente, capaz de lidar com uma ampla variedade de fontes de energia renovável, de biomassa a hidreletricidade?
GORE - Acho que temos de fazer várias coisas simultaneamente. Uma super-rede é importante para o uso de todas as
formas de energia renovável.
Tanto a energia eólica quanto a
solar são muito promissoras. A
segunda e terceira gerações de
biomassa são igualmente promissoras. Mas o maior recurso
são as melhorias de eficiência.
E o passo singular que poderia
ser dado para estimular o progresso em todas essas áreas é
pôr um preço no carbono, de
modo que o custo da redução da
poluição seja integrado nas decisões do mercado. Isso estimularia todas as formas de
energia renovável e todos os recursos de eficiência.
FOLHA - O sr. tem preferência por
impostos sobre o CO2 ou por limites
e comércio de permissões para emitir carbono ("cap-and-trade")?
GORE - Prefiro ambos. A vantagem da abordagem "cap-and-trade" está na eficiência oferecida para a coordenação global,
sem requerer que os governos
tomem decisões todos os dias.
Se os valores estão incluídos no
mercado, então o mercado pode ser um aliado na seleção de
todas essas possibilidades.
Mas não há dúvida de que um
imposto sobre o CO2, neutro
em termos de renda, seria uma
opção poderosa. A Escandinávia e alguns países, como a
França, já o estão usando. É difícil imaginar um imposto de
carbono globalmente harmonizado, por isso a noção de
"cap-and-trade" é provavelmente melhor como base para
a coordenação internacional.
FOLHA - Copenhague não terminou como se esperava, e muitos duvidam que Cancún possa levar a um
tratado legalmente vinculante. Yvo
de Boer renunciou ao posto de secretário da Convenção de Mudança
Climática da ONU. O IPPC está sob
fogo cerrado. Obama enfrenta dificuldades para conseguir que o Congresso dos EUA vote a legislação sobre clima e energia. Ainda temos
motivo para manter o otimismo?
GORE - (Ri) Sim, temos. Porque
ainda há um movimento de base em todo o mundo, crescente,
para enfrentar essa crise. Nos
EUA a legislação está seguindo
em frente e será votada em
poucos meses. O fracasso em
Copenhague se deveu primariamente ao fato de o Senado
dos EUA ter falhado em aprovar essa legislação antes da
conferência, forçando o presidente Obama a negociar com
ambas as mãos atadas às costas.
Como ele não podia pôr essa legislação sobre a mesa, os chineses resistiram a fazer concessões de seu lado, de modo que
os dois maiores poluidores deixaram de agir. Isso fez o restante do mundo adiar a ação. Se os
EUA aprovarem a legislação
antes da conferência de Cancún, poderemos ver uma dinâmica muito diferente em ação.
FOLHA - O sr. estará no fim do mês
em Manaus, para um seminário que
terá também o cientista Tom Lovejoy e o cineasta James Cameron. O
sr. acha que o filme "Avatar" terá
um papel em despertar consciências
para o tipo de problemas da floresta
que o sr. trata em seus livros e seu
próprio documentário?
GORE - É um filme com uma
metáfora muito poderosa. Sou
grande fã do filme. Tanto James Cameron quanto Tom Lovejoy são meus amigos. Lovejoy é um cientista com quem
trabalho há anos. Ele me levou
em minha primeira viagem para a Amazônia, 30 anos atrás.
Texto Anterior: Evolução eliminou relógio biológico de renas no Ártico Próximo Texto: Frases Índice
|