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MEDICINA
Controle do ciclo de reprodução pode levar a medicamentos inovadores para prevenir a proliferação de tumores
Grupo dos EUA rebobina divisão celular
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Se o final do ciclo de divisão celular pudesse ser comparado com
um parto, a façanha realizada nos
EUA por Gary Gorbsky equivaleria a ver um bebê entrar de volta
na barriga da mãe. A analogia é
imperfeita, pois a primeira forma
de reprodução gera duas células-filhas idênticas e não outro organismo, mas serve bem para captar
o quanto há de surpreendente no
estudo, publicado esta semana no
periódico "Nature".
As fotos obtidas pela equipe da
Fundação de Pesquisa Médica de
Oklahoma (OMRF) são claras: a
célula que já duplicou seus cromossomos (filamentos que contêm o DNA, substância da hereditariedade) separa um jogo completo deles de cada lado da "cintura" formada, que vai se estreitando até o limiar de rompimento
em duas células separadas -
quando então elas se fundem novamente, voltando ao seu estágio
inicial.
No jargão da biologia celular, o
grupo de Gorbsky conseguiu reverter o desfecho da mitose. Nessa fase do ciclo celular (também
conhecida como M), uma célula
se torna duas, e cada célula-filha
reinicia o próprio ciclo (n fase de
crescimento G1). Depois vêm as
fases de síntese de DNA (duplicação dos cromossomos, ou S), outra etapa de crescimento (G2) e
uma nova mitose (M).
Assim como a gravidez, o ciclo
celular é um processo regulado
por várias substâncias sinalizadoras, como se fossem hormônios.
Gorbsky manipulou os níveis de
"hormônios" celulares conhecidos como ciclinas e quinases dependentes de ciclinas (Cdk, na
abreviação em inglês) para fazer a
célula mudar de idéia e retornar
sobre os próprios passos.
O curioso é que essa capacidade
de engatar a marcha-à-ré celular
não representava o objetivo principal da pesquisa. "Não demos a
partida para testar o papel da ciclina em impedir a reversão [do
ciclo]", explica Gorbsky. "Como
muitos de nossos resultados interessantes, este foi o resultado lateral de um outro projeto voltado
para o desenvolvimento de novos
agentes anticancerígenos."
Como parte desse projeto mais
amplo, o grupo da OMRF comparava novos candidatos a remédios
antitumorais com a substância
flavopiridol. Esse medicamento
experimental está sendo testado
contra o câncer justamente por
sua capacidade de interferir nos
níveis das substâncias sinalizadoras que regulam quando a célula
deve passar de uma fase a outra
do ciclo celular.
"Estou confiante em que descobertas sobre o controle básico do
ciclo celular levarão ao desenvolvimento de medidas preventivas e
a terapias para o câncer", diz
Gorbsky. A mesma aplicação futura é vislumbrada pela bióloga
Mayana Zatz, pró-reitora de pesquisa da USP: "Entender os processos de divisão celular poderia
nos ajudar a entender os processos anômalos de divisão celular
que ocorrem no câncer".
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