São Paulo, sábado, 15 de abril de 2006

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MEDICINA

Controle do ciclo de reprodução pode levar a medicamentos inovadores para prevenir a proliferação de tumores

Grupo dos EUA rebobina divisão celular

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Se o final do ciclo de divisão celular pudesse ser comparado com um parto, a façanha realizada nos EUA por Gary Gorbsky equivaleria a ver um bebê entrar de volta na barriga da mãe. A analogia é imperfeita, pois a primeira forma de reprodução gera duas células-filhas idênticas e não outro organismo, mas serve bem para captar o quanto há de surpreendente no estudo, publicado esta semana no periódico "Nature".
As fotos obtidas pela equipe da Fundação de Pesquisa Médica de Oklahoma (OMRF) são claras: a célula que já duplicou seus cromossomos (filamentos que contêm o DNA, substância da hereditariedade) separa um jogo completo deles de cada lado da "cintura" formada, que vai se estreitando até o limiar de rompimento em duas células separadas - quando então elas se fundem novamente, voltando ao seu estágio inicial.
No jargão da biologia celular, o grupo de Gorbsky conseguiu reverter o desfecho da mitose. Nessa fase do ciclo celular (também conhecida como M), uma célula se torna duas, e cada célula-filha reinicia o próprio ciclo (n fase de crescimento G1). Depois vêm as fases de síntese de DNA (duplicação dos cromossomos, ou S), outra etapa de crescimento (G2) e uma nova mitose (M).
Assim como a gravidez, o ciclo celular é um processo regulado por várias substâncias sinalizadoras, como se fossem hormônios. Gorbsky manipulou os níveis de "hormônios" celulares conhecidos como ciclinas e quinases dependentes de ciclinas (Cdk, na abreviação em inglês) para fazer a célula mudar de idéia e retornar sobre os próprios passos.
O curioso é que essa capacidade de engatar a marcha-à-ré celular não representava o objetivo principal da pesquisa. "Não demos a partida para testar o papel da ciclina em impedir a reversão [do ciclo]", explica Gorbsky. "Como muitos de nossos resultados interessantes, este foi o resultado lateral de um outro projeto voltado para o desenvolvimento de novos agentes anticancerígenos."
Como parte desse projeto mais amplo, o grupo da OMRF comparava novos candidatos a remédios antitumorais com a substância flavopiridol. Esse medicamento experimental está sendo testado contra o câncer justamente por sua capacidade de interferir nos níveis das substâncias sinalizadoras que regulam quando a célula deve passar de uma fase a outra do ciclo celular.
"Estou confiante em que descobertas sobre o controle básico do ciclo celular levarão ao desenvolvimento de medidas preventivas e a terapias para o câncer", diz Gorbsky. A mesma aplicação futura é vislumbrada pela bióloga Mayana Zatz, pró-reitora de pesquisa da USP: "Entender os processos de divisão celular poderia nos ajudar a entender os processos anômalos de divisão celular que ocorrem no câncer".


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