São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2008

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Morre Wheeler, 96, último herói da física

Cientista americano rascunhou com Bohr a teoria da fissão nuclear, trabalhou na bomba H e batizou os buracos negros

Expressão foi cunhada como uma piada; cientista no começo duvidou que um objeto celeste que violasse leis da física pudesse existir

Keith Meyers/"The New York Times"
John Wheeler, um dos criadores da teoria da fissão nuclear


DENNIS OVERBYE
DO "NEW YORK TIMES"

John A. Wheeler, físico teórico visionário que ajudou a criar a teoria da fissão nuclear, batizou os buracos negros e discutiu sobre a natureza da realidade com Albert Einstein e Niels Bohr, morreu no domingo em sua casa em Nova Jersey, EUA, em decorrência de uma pneumonia. Ele tinha 96 anos.
Wheeler era um jovem professor em 1939, quando Bohr, seu mentor, chegou aos EUA vindo da Dinamarca e lhe confidenciou que cientistas alemães haviam conseguido partir átomos de urânio. Em algumas semanas, ele e Bohr explicaram como a fissão funcionava.
Como professor em Princeton e depois na Universidade do Texas em Austin, Wheeler orientou gerações de físicos teóricos, usando metáforas e cálculo com a mesma eficiência para capturar a imaginação de seus alunos.
"Para mim, ele era o último Titã, o único super-herói da física ainda de pé", disse Max Tegmark, cosmólogo do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Sob a liderança de Wheeler, Princeton se tornou o principal centro de pesquisa da gravidade einsteiniana, conhecida como teoria da relatividade geral.
"Ele rejuvenesceu a relatividade geral; transformou-a num assunto experimental e tomou-a dos matemáticos", disse Freeman Dyson, do Instituto de Estudo Avançado de Princeton.
Entre os alunos de Wheeler esteve Richard Feynman, que transformou uma sugestão aparentemente maluca de Wheeler em um trabalho que lhe rendeu o Prêmio Nobel.
Ao lembrar-se de seus tempos de estudante, Feynman uma vez disse: "Algumas pessoas acham que Wheeler ficou maluco depois de velho, mas ele sempre foi maluco".
John Archibald Wheeler nasceu em 9 de julho de 1911 na Flórida. Obteve seu PhD em física na Universidade Johns Hopkins aos 21 anos. No ano seguinte, casou-se com Janette Hegner e foi para Copenhague trabalhar com Niels Bohr, o padrinho da revolução quântica.
O relacionamento entre os dois se renovou quando Bohr chegou aos EUA em 1939 com as notícias agourentas sobre a fissão. No modelo que ele e Wheeler desenvolveram para explicá-la, o núcleo atômico, contendo prótons e nêutrons, é como uma gota de líquido. Quando um nêutron emitido de um outro núcleo em desintegração o atinge, essa gota começa a vibrar e se alonga na forma de um amendoim para depois finalmente se partir.
Dois anos mais tarde, Wheeler foi recrutado pelo Projeto Manhattan para construir a bomba atômica. Para seu eterno desgosto, a bomba não ficou pronta a tempo de mudar o curso da guerra na Europa e possivelmente salvar seu irmão Joe, morto em combate na Itália em 1944. Ele continuou a trabalhar para o governo depois, tendo participado do desenvolvimento da bomba de hidrogênio e promovido a construção de abrigos nucleares.
Um aspecto da relatividade de Einstein chamou a atenção de Wheeler. Em 1939, Robert Oppenheimer (que se tornaria o cabeça do Projeto Manhattan) e seu aluno Hartland Snyder sugeriram que as equações de Einstein faziam uma previsão apocalíptica: uma estrela morta de massa suficientemente grande entraria em colapso formando um corpo tão denso que nem a luz poderia escapar dele. No centro desse objeto, o espaço seria infinitamente curvo, e a matéria, infinitamente densa, um absurdo conhecido como singularidade.
Wheeler resistiu a essa conclusão. "Ele lutava contra a idéia de que as leis da física pudessem levar a uma singularidade", disse Charles Misner, seu ex-aluno. Em resumo, como a física poderia levar a uma violação de si mesma?
Wheeler e outros só foram convencidos quando David Finkelstein desenvolveu as equações que permitiram tratar tanto o interior quanto o exterior da estrela em colapso.
Em uma conferência em 1967, em Nova York, apanhando uma sugestão gritada por alguém na platéia, Wheeler deu à luz a expressão "buraco negro".
O buraco negro "nos ensina que o espaço pode ser amassado como uma folha de papel até um ponto infinitesimal, que o tempo pode ser extinto como uma chama que se apaga e que as leis da física, que nós temos como "sagradas" por serem imutáveis, são tudo menos isso", escreveu em sua autobiografia, de 1999.


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