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Grupo revela segredo militar macedônio
Estudo francês mostra como Alexandre, o Grande, usou banco de areia para construir península artificial na costa libanesa
Desmatamento e lavoura
ajudaram a depositar os
sedimentos para a ponte
que permitiu a tomada de
Tiro dos persas em 332 a.C.
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Num dos maiores feitos da
história da engenharia militar,
o exército de Alexandre Magno
construiu, em 332 a.C., uma
passarela de 1 quilômetro sobre
o Mediterrâneo para tomar dos
persas a ilha de Tiro, atual Líbano. A proeza vinha intrigando
os arqueólogos até hoje, já que
os macedônios não tinham tecnologia para esse tipo de obra.
O mistério, no entanto, acaba
de ser revelado por um trio
francês: Alexandre teve uma
ajudinha da geologia.
O grupo liderado por Nick
Marriner, da Universidade Aix-Marseille, estudou a formação
da península que hoje se estende na costa de Tiro, onde antes
ficava a inexpugnável ilha usada pelos fenícios (então sob governo persa) como fortaleza.
A equipe descobriu que a
própria história geológica da
ilha acabou sendo o calcanhar-de-aquiles que permitiu a invasão dos helenos. Tiro funcionou como um quebra-mar natural, ajudando a frear as ondas
e a formar aquilo que os geólogos chamam de proto-tômbolo,
ou banco de areia.
"À medida que a energia das
ondas se dissipava, a água não
podia mais carregar sedimentos e eles eram depositados ali",
disse Marriner à Folha. "Esse
acúmulo de areia fica perto da
superfície e teria servido de base para a ponte de Alexandre."
Caça ao tesouro
O grupo francês usou brocas
para coletar 20 colunas de sedimento na atual península de
Tiro (hoje totalmente urbanizada) e em volta da cidade. O
material permitiu uma reconstrução detalhada de 8.000 anos
da evolução da sua costa.
"Apesar da glória marítima
de Tiro no passado, muito pouco era sabido sobre sua arqueologia", disse Marriner. "O uso
de técnicas arqueológicas tradicionais é dificultado pela urbanização, e nossa abordagem
nos permite usar o registro geológico para identificar áreas arqueologicamente ricas."
A costa de Tiro atrai assentamentos humanos desde a Idade
do Bronze. Seu litoral é formado por recifes de arenito que foram expostos em parte pela elevação do nível do mar nos últimos 10 mil anos, protegendo a
cidade de ataques por mar. A
ilha de Tiro era parte dessa formação geológica.
A geologia sozinha, no entanto, não explica a vulnerabilidade de Tiro. O estudo francês,
publicado hoje na revista
"PNAS", revela uma contribuição decisiva para a formação do
proto-tômbolo: o desmatamento e a agricultura após
3.000 a.C., quando a ocupação
da região era intensa, acelerou
o acúmulo de sedimentos trazidos por rios que deságuam ali.
Os babilônios já sabiam do
ponto fraco de Tiro no século
6º a.C., quando o rei Nabucodonosor 2º tentou tomá-la dos fenícios construindo uma passarela. Seu fracasso inspirou a
tentativa de Alexandre.
O feito do exército macedônio, no entanto, não foi obra só
de engenhosidade: muita força
bruta e obstinação entraram
em jogo para construir -sem
aço nem concreto- uma ponte
sobre o mar, usando em parte
material das ruínas da Tiro
continental, sitiada durante sete meses, e resistindo aos ataques regulares dos tirenses da
ilha, que tentavam parar a obra.
Marriner diz que até hoje não
se sabe quanto tempo Alexandre levou para completar a
ponte. O destino dos tirenses
na mão do conquistador, porém, é conhecido: dez mil foram mortos e 30 mil vendidos
pelos gregos como escravos.
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