São Paulo, terça-feira, 15 de maio de 2007

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Grupo revela segredo militar macedônio

Estudo francês mostra como Alexandre, o Grande, usou banco de areia para construir península artificial na costa libanesa

Desmatamento e lavoura ajudaram a depositar os sedimentos para a ponte que permitiu a tomada de Tiro dos persas em 332 a.C.

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Num dos maiores feitos da história da engenharia militar, o exército de Alexandre Magno construiu, em 332 a.C., uma passarela de 1 quilômetro sobre o Mediterrâneo para tomar dos persas a ilha de Tiro, atual Líbano. A proeza vinha intrigando os arqueólogos até hoje, já que os macedônios não tinham tecnologia para esse tipo de obra. O mistério, no entanto, acaba de ser revelado por um trio francês: Alexandre teve uma ajudinha da geologia.
O grupo liderado por Nick Marriner, da Universidade Aix-Marseille, estudou a formação da península que hoje se estende na costa de Tiro, onde antes ficava a inexpugnável ilha usada pelos fenícios (então sob governo persa) como fortaleza.
A equipe descobriu que a própria história geológica da ilha acabou sendo o calcanhar-de-aquiles que permitiu a invasão dos helenos. Tiro funcionou como um quebra-mar natural, ajudando a frear as ondas e a formar aquilo que os geólogos chamam de proto-tômbolo, ou banco de areia.
"À medida que a energia das ondas se dissipava, a água não podia mais carregar sedimentos e eles eram depositados ali", disse Marriner à Folha. "Esse acúmulo de areia fica perto da superfície e teria servido de base para a ponte de Alexandre."

Caça ao tesouro
O grupo francês usou brocas para coletar 20 colunas de sedimento na atual península de Tiro (hoje totalmente urbanizada) e em volta da cidade. O material permitiu uma reconstrução detalhada de 8.000 anos da evolução da sua costa.
"Apesar da glória marítima de Tiro no passado, muito pouco era sabido sobre sua arqueologia", disse Marriner. "O uso de técnicas arqueológicas tradicionais é dificultado pela urbanização, e nossa abordagem nos permite usar o registro geológico para identificar áreas arqueologicamente ricas."
A costa de Tiro atrai assentamentos humanos desde a Idade do Bronze. Seu litoral é formado por recifes de arenito que foram expostos em parte pela elevação do nível do mar nos últimos 10 mil anos, protegendo a cidade de ataques por mar. A ilha de Tiro era parte dessa formação geológica.
A geologia sozinha, no entanto, não explica a vulnerabilidade de Tiro. O estudo francês, publicado hoje na revista "PNAS", revela uma contribuição decisiva para a formação do proto-tômbolo: o desmatamento e a agricultura após 3.000 a.C., quando a ocupação da região era intensa, acelerou o acúmulo de sedimentos trazidos por rios que deságuam ali.
Os babilônios já sabiam do ponto fraco de Tiro no século 6º a.C., quando o rei Nabucodonosor 2º tentou tomá-la dos fenícios construindo uma passarela. Seu fracasso inspirou a tentativa de Alexandre.
O feito do exército macedônio, no entanto, não foi obra só de engenhosidade: muita força bruta e obstinação entraram em jogo para construir -sem aço nem concreto- uma ponte sobre o mar, usando em parte material das ruínas da Tiro continental, sitiada durante sete meses, e resistindo aos ataques regulares dos tirenses da ilha, que tentavam parar a obra.
Marriner diz que até hoje não se sabe quanto tempo Alexandre levou para completar a ponte. O destino dos tirenses na mão do conquistador, porém, é conhecido: dez mil foram mortos e 30 mil vendidos pelos gregos como escravos.


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