São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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+ Marcelo Leite

ABC da qualidade

Seleção para academia parece não considerar mérito da performance

Quanto é boa a Academia Brasileira de Ciências (ABC) em termos internacionais? Não é uma questão fácil de responder. Talvez nem seja prudente perguntar.
Como recebeu resposta provisória de membro da própria academia, o biomédico Rogério Meneghini (também especialista em cienciometria, o campo de medidas de produtividade em pesquisa), presume-se que será ouvida ali com um mínimo de interesse. Além de provisória, a resposta é modesta e indireta.
Aparece no artigo "Comparação de cientistas da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos EUA com base no índice h", que Meneghini publicou com Abel Packer e Rogério Mugnaini no periódico "Brazilian Journal of Medical and Biological Research" (www.bjournal.com.br).
A constatação mais geral do trio é que a ABC apresenta grande heterogeneidade de desempenho entre as dez áreas nas quais classifica seus integrantes. O estudo não aponta a razão disso, mas sugere uma hipótese para futuras análises: que os critérios de seleção de membros da ABC não correspondam necessariamente ao mérito da performance do investigador em categorias particulares.
Usou-se no levantamento uma nova medida de qualidade que é ela própria controversa, o índice h. Normalmente se emprega o número de artigos publicados em periódicos reconhecidos e a quantidade de citações que recebem em artigos subseqüentes. Mas essa medição tradicional admite distorções, como beneficiar um autor de poucos artigos, ou mesmo um só, com centenas ou milhares de citações.
Aí entra o índice h. Ele corresponde ao número de artigos de um cientista que angariaram, cada um, pelo menos o mesmo número de citações. Exemplo: se não publicar mais que cinco trabalhos com pelo menos cinco citações, seu h será 5 -pouco importa se um deles recebeu 18 ou 1.800 citações.
O indicador exprime sua capacidade de continuar produzindo estudos úteis para a comunidade de pesquisa.
Os piores h da ABC estão nas ciências humanas, com a média de 4,1 (nas outras nove áreas, o h médio varia entre 8,5, na matemática, e 24,1, nas ciências biomédicas). O primeiro colocado em humanidades é o sociólogo Simon Schwartzman, com 10. Fora da ABC, o cientista social brasileiro com mais alto h é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (14).
Os baixos escores em humanas e matemática são em geral explicados por costumes diferenciados de publicação. Os pesquisadores dessas áreas produzem trabalhos individualmente e em menor quantidade. Nas humanidades, além disso, tendem a editá-los na forma de livros, que não contam para esse tipo de estatística, baseado em periódicos.
De todo modo, os brasileiros devem ter hábitos piores que seus pares na NAS-EUA, na qual os cientistas sociais alcançam média quase quatro vezes maior, 16,2, e os matemáticos, 18,2 (mais que o dobro). O padrão se repete na área de índice mais alto: os acadêmicos dos Estados Unidos têm média de 73,2, três vezes maior (veja as dez tabelas de áreas da ABC em cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
O próprio artigo do acadêmico Meneghini (h = 29) alerta que "um número único não pode medir todas as nuances das realizações de um dado cientista". Deve ser por isso que estão fora da ABC pesquisadores como o neurocientista Miguel Nicolelis, que tem um h de 31, índice alcançado por não mais que 25 dos 389 acadêmicos brasileiros considerados pelo estudo em agosto de 2006.


MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia ( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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