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+ Marcelo Leite
ABC da qualidade
Seleção para academia parece não considerar mérito da performance
Quanto é boa a Academia Brasileira de Ciências (ABC) em
termos internacionais? Não é
uma questão fácil de responder. Talvez nem seja prudente perguntar.
Como recebeu resposta provisória
de membro da própria academia, o
biomédico Rogério Meneghini (também especialista em cienciometria, o
campo de medidas de produtividade
em pesquisa), presume-se que será
ouvida ali com um mínimo de interesse. Além de provisória, a resposta é
modesta e indireta.
Aparece no artigo "Comparação de
cientistas da Academia Brasileira de
Ciências e da Academia Nacional de
Ciências dos EUA com base no índice
h", que Meneghini publicou com Abel
Packer e Rogério Mugnaini no periódico "Brazilian Journal of Medical
and Biological Research"
(www.bjournal.com.br).
A constatação mais geral do trio é
que a ABC apresenta grande heterogeneidade de desempenho entre as
dez áreas nas quais classifica seus integrantes. O estudo não aponta a razão disso, mas sugere uma hipótese
para futuras análises: que os critérios
de seleção de membros da ABC não
correspondam necessariamente ao
mérito da performance do investigador em categorias particulares.
Usou-se no levantamento uma nova
medida de qualidade que é ela própria
controversa, o índice h. Normalmente
se emprega o número de artigos publicados em periódicos reconhecidos e a
quantidade de citações que recebem
em artigos subseqüentes. Mas essa
medição tradicional admite distorções, como beneficiar um autor de
poucos artigos, ou mesmo um só, com
centenas ou milhares de citações.
Aí entra o índice h. Ele corresponde
ao número de artigos de um cientista
que angariaram, cada um, pelo menos
o mesmo número de citações. Exemplo: se não publicar mais que cinco
trabalhos com pelo menos cinco citações, seu h será 5 -pouco importa se
um deles recebeu 18 ou 1.800 citações.
O indicador exprime sua capacidade
de continuar produzindo estudos
úteis para a comunidade de pesquisa.
Os piores h da ABC estão nas ciências humanas, com a média de 4,1 (nas
outras nove áreas, o h médio varia entre 8,5, na matemática, e 24,1, nas
ciências biomédicas). O primeiro colocado em humanidades é o sociólogo
Simon Schwartzman, com 10. Fora da
ABC, o cientista social brasileiro com
mais alto h é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (14).
Os baixos escores em humanas e
matemática são em geral explicados
por costumes diferenciados de publicação. Os pesquisadores dessas áreas
produzem trabalhos individualmente
e em menor quantidade. Nas humanidades, além disso, tendem a editá-los
na forma de livros, que não contam
para esse tipo de estatística, baseado
em periódicos.
De todo modo, os brasileiros devem
ter hábitos piores que seus pares na
NAS-EUA, na qual os cientistas sociais alcançam média quase quatro vezes maior, 16,2, e os matemáticos, 18,2
(mais que o dobro). O padrão se repete
na área de índice mais alto: os acadêmicos dos Estados Unidos têm média
de 73,2, três vezes maior (veja as dez
tabelas de áreas da ABC em cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
O próprio artigo do acadêmico Meneghini (h = 29) alerta que "um número único não pode medir todas as
nuances das realizações de um dado
cientista". Deve ser por isso que estão
fora da ABC pesquisadores como o
neurocientista Miguel Nicolelis, que
tem um h de 31, índice alcançado por
não mais que 25 dos 389 acadêmicos
brasileiros considerados pelo estudo
em agosto de 2006.
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas
Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia
( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br
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