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México já possuía escrita há 3.000 anos
Arqueólogos descobrem um bloco de pedra com as inscrições mais antigas das Américas, feitas pela civilização olmeca
Texto estava em sítio usado
como fonte de cascalho para
pavimentação de estrada;
inscrições são indecifráveis,
afirmam os pesquisadores
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Por pouco os operários que
trabalhavam na pavimentação
de uma estrada vicinal em San
Lorenzo, no Estado mexicano
de Veracruz, não transformaram em cascalho um bloco de
pedra de 30 centímetros cheio
de rabiscos engraçados. Os tais
rabiscos, dizem arqueólogos,
são o primeiro texto escrito das
Américas, gravado por volta do
ano 1.000 antes de Cristo.
As inscrições ainda não foram decifradas -e talvez nunca
o sejam. O que se sabe sobre
elas é que são 62 símbolos pictográficos, alguns repetidos de
duas a quatro vezes no "texto".
Há representações de insetos,
milho e conchas. Nem a ordem
de leitura está clara ainda.
O que parece claro é a identidade dos escribas: o produto é
obra da civilização olmeca, que
floresceu de 1300 a 400 a.C. e
foi o primeiro Estado da Mesoamérica (região que engloba
México e América Central). A
nova descoberta confirma que
os olmecas também inventaram a escrita, e séculos antes do
que se supunha.
"Até agora, nenhuma escrita
havia sido associada com certeza à civilização olmeca", afirmam os arqueólogos, do Inah
(Instituto Nacional de Antropologia e História) do México e
da Universidade Brown, nos
EUA. Eles publicam a descrição
do bloco de pedra na edição de
hoje do periódico "Science"
(www.sciencemag.org).
Já havia indícios anteriores
de escrita olmeca. Em 2002, na
mesma "Science", o americano
Kevin Pope descreveu um selo
cilíndrico de cerâmica de 650
a.C. com supostos hieróglifos
olmecas, traduzidos como o
nome de um rei.
"Sempre fui cético sobre esses achados [anteriores]", disse
à Folha Stephen Houston, antropólogo da Universidade
Brown, co-autor do novo estudo. "Ou eles eram simplesmente iconografia ou não mostravam texto contínuo."
A pedra de San Lorenzo
-encontrada num sítio ironicamente batizado Cascajal
("cascalheira", em espanhol)-
deixa poucas dúvidas de que se
trata de um texto de verdade.
Por outro lado, sua datação é
controversa: afinal, trata-se de
uma rocha, que não tem material orgânico e portanto não
pode ser datada da forma convencional, pelo método do carbono-14. "Nós só conseguimos
estimar sua idade com base em
correlações com a iconografia
olmeca e com cerâmicas encontradas junto com ela", diz
María del Carmen Rodríguez,
do Inah, primeira arqueóloga a
examinar a pedra, em 1999.
Mesmo assim, os especialistas ficaram animados com a
descoberta. "Isso resolve a
questão para mim", disse à
agência de notícias Associated
Press David Stuart, especialista
em escrita mesoamericana da
Universidade do Texas (EUA).
Seja como for, até agora o
texto de Cascajal parece ser um
beco sem saída na evolução da
escrita americana -não parece
que os hieróglifos maias, por
exemplo, tenham se originado
da escrita olmeca. "Talvez ela
nunca tenha sido transmitida,
um traço do colapso social, como a Linear-B", diz Houston,
referindo-se à escrita grega
nunca decifrada.
Por falta de financiamento, o
grupo de Houston e Rodríguez
ainda não está escavando em
Cascajal à cata de mais textos
olmecas. Vários deles provavelmente repousam hoje, moídos
em forma de cascalho, sob as
estradas de Veracruz.
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