São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 2002

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ECOLOGIA

Seca frequente prejudica até 60% das árvores, diminuindo sua função reprodutiva, detecta estudo da Embrapa

El Niño afeta flores e frutos da Amazônia

Divulgação/Ipam
Biólogo Paulo Moutinho em passarela do projeto Seca-Floresta


MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA

Pesquisa ainda não publicada da Embrapa Amazônia Oriental, de Belém, detectou uma tendência que pode se revelar alarmante, se confirmada para a floresta amazônica em geral: as árvores estão produzindo menos flores e frutos. Essa redução na capacidade regenerativa pode ter chegado a 60% em 17 anos, e o maior suspeito pela mudança são as secas cada vez mais frequentes provocadas pelo fenômeno El Niño.
Menos flores e frutos significam menos sementes e, portanto, menos árvores jovens para repor as que morrerem ou forem derrubadas. Isso pode tornar ainda mais dificultosos os planos de manejo sustentável, pois os madeireiros não poderiam voltar a uma área 25 ou 30 anos depois de explorada, como se prescreve hoje.
As observações foram feitas pela engenheira florestal Noemi Vianna Leão, 46, que atua desde 1979 na Embrapa (www.cpatu.embrapa.br). Ela começou a pesquisar em junho de 1985 a fenologia (estudo das fases da reprodução da planta) de 500 árvores de 50 espécies numa área de 400 hectares da Floresta Nacional do Tapajós, em Belterra (PA).
As observações são feitas de 15 em 15 dias por cinco fenologistas treinados. Eles contam e medem todas as flores e os frutos das dez árvores de cada espécie (veja gráfico no alto, à dir.), escolhidas com base na distância entre elas para diminuir o risco de parentesco entre elas e aumentar, assim, a diversidade genética da amostra.
Vianna Leão avisa que os dados são preliminares. "Estamos analisando com alguma cautela. O impacto da liberação [de dados como esses] é muito grande", diz a pesquisadora, que faz notar sua condição de parauara ("cabocla do Pará", como diz).

Incerteza
O trabalho deverá resultar num artigo científico, que ela está escrevendo com o ecólogo Daniel Nepstad, do Centro de Pesquisa Woods Hole (www.whrc.org), na cidade de mesmo nome em Massachusetts (Costa Leste dos Estados Unidos) e do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, www.ipam.org.br), ONG de pesquisa de Belém do Pará.
Nepstad está no momento submetendo os dados de observação a uma bateria de testes estatísticos, para certificar-se de sua consistência. Há certa dúvida sobre os últimos anos, em que se observa alguma retomada da floração e da frutificação. "A tendência no último ano é de voltar a florescer", disse por telefone de Woods Hole, "mas acredito que a tendência [de diminuição] é verdadeira."
A Embrapa Amazônia Oriental é parceira do Ipam em outro grande projeto na Flona Tapajós, o Seca-Floresta, em que um hectare da mata tem a maior parte da água de chuva desviada por painéis de plástico. A idéia é simular secas do porte das que ocorrem na região em anos de El Niño.
Desde 1999, quando foi iniciado, os cientistas do Seca-Floresta vêm notando o mesmo tipo de efeito redutor na produção de flores e frutos. Segundo Paulo Moutinho, biólogo do Ipam, a redução é da ordem de 25% a 30%.
Tal diminuição da capacidade reprodutiva das árvores pode afetar sua população no futuro, o que só será verificado em prazos mais longos. O estresse hídrico (carência de água) também diminui a produção de folhas, raízes e madeira nas árvores, que extraem assim menos carbono da atmosfera. E mais carbono no ar representa mais retenção de calor abaixo do cobertor de gases que acentua o efeito estufa, engrossado pelo gás carbônico (CO2).
O Ipam estima que em anos de El Niño acentuado a Amazônia brasileira libere até 250 milhões de toneladas de carbono na atmosfera, mais que o dobro do que o Brasil inteiro contribui para o efeito estufa com a queima de combustíveis fósseis.


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