São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2007

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Físicos conseguem "despir" buraco negro

Dupla de teóricos brasileiros mostra como expor ao cosmo objeto com concentração infinita de massa

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma dupla de físicos brasileiros conseguiu demonstrar como é possível "despir" um buraco negro para revelar o que há dentro desse estranho tipo de objeto cósmico.
Usando conceitos de física quântica, George Matsas e André da Silva, do Instituto de Física Teórica da Unesp, elaboraram um modelo matemático que elimina a "fronteira" do buraco negro, o limite de aproximação a partir do qual não se pode escapar de sua atração. O objeto, descrito em estudo na revista "Physical Review Letters" (prl.aps.org), porém, é de uma classe especial.
Um buraco negro convencional pode se formar a partir do colapso de uma estrela, quando ocorre uma concentração colossal de matéria no espaço de um só ponto, chamado "singularidade". Sua força gravitacional é tão grande que nada, nem mesmo a luz, consegue escapar da fronteira batizada de "horizonte de eventos" pelos físicos (veja quadro à esquerda).
O que Matsas e Silva descrevem, contudo, é o que os físicos chamam de "singularidade nua", um buraco negro sem horizonte. Em tese, energia e matéria podem escapar dos seus arredores e, portanto, a singularidade seria observável. Para chegar ao resultado, porém, os físicos tiveram de resolver um problema imposto pela teoria da relatividade geral, de Einstein, que explica a gravidade.

Física fora da lei
"Nós chamamos de singularidade aquilo no qual as equações da natureza quebram, o que é uma situação muito ruim, porque nós físicos acreditamos que tudo pode ser matematizado", diz Matsas. "Mas quão ruim é ter uma singularidade na relatividade geral? Se ela estiver dentro de um horizonte de eventos, em princípio, tudo bem, porque mesmo que não se saiba descrevê-la, isso não influencia o resto do Universo, já que nada pode escapar de dentro [da fronteira do buraco]."
Há problemas, porém, em recorrer à relatividade para analisar o problema. Uma vez que a singularidade é um ponto infinitamente pequeno, há fenômenos nos buracos negros que só podem ser elucidados pelas equações da mecânica quântica, teoria que explica o mundo das partículas elementares.
Acontece que a relatividade e a mecânica quântica são teorias incompatíveis entre si. E a maneira com que os físicos concebem uma singularidade nua é essencialmente relativística.
Um buraco negro pode perder seu horizonte de eventos ao entrar em rotação com velocidade grande o suficiente para "expulsá-lo" por meio de força centrífuga -a mesma força que atira crianças para fora de um carrossel. Mas as equações de Einstein impedem que um objeto entre em um buraco negro com velocidade grande o suficiente para aumentar sua rotação e expor a singularidade.

Barreira energética
Na prática, o que acontece, é que uma partícula teria de romper uma espécie de "barreira energética" intransponível antes de contribuir para que a rotação do buraco negro ultrapasse o limite que o transformaria em singularidade nua.
Analisando o problema do ponto de vista quântico, porém, Matsas e Silva conseguiram fazer -em teoria, diga-se logo- com que partículas entrassem no buraco negro por meio de um efeito chamado "tunelamento". É um fenômeno conhecido na física quântica, no qual uma partícula pode atravessar essa barreira energética tomando uma espécie de atalho, desaparecendo de um lado e aparecendo do outro. Não é nenhuma mágica, diz Matsas: "O tunelamento é muito comum em situações microscópicas, só fica mais improvável nas macroscópicas".
Com o trabalho, os brasileiros procuram contribuir para superar o maior desafio atual da física: unificar a mecânica quântica e a relatividade geral em uma teoria só. Pode a descoberta ajudar nessa meta? "Pode ser que sim, mas não é garantido", diz Matsas.


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