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Da selva para a poltrona
Ambientalista João Meirelles Filho historiografa cinco séculos de exploração da Amazônia
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não há nada melhor
que ser explorador
de poltrona, especialmente quando
se trata da Amazônia. Não ter de enfrentar aquele calor insuportável, o risco de
leishmaniose, de malária ou de
febre amarela. Chuva o tempo
todo; "floresta pluvial", é como
se diz em inglês. Mosquitos e
aranhas e cobras e uma quantidade inesgotável de besouros.
Onças. Piranhas e jacarés. E,
tempos atrás, índios com variados graus de atitudes violentas
em relação a exploradores.
Sentar-se na poltrona com o
livro "Grandes Expedições à
Amazônia Brasileira 1500-1930", de João Meirelles Filho,
deixa você arrepiado quando
começa a pensar nos riscos que
os europeus e seus descendentes passaram nos cinco séculos
de exploração da região. Mas
obviamente o principal objeto
da obra não é assustar os exploradores de poltrona. Trata-se
de, através da descrição de 42
viagens de exploração, montar
um representativo painel da
história dessa região.
A lista de exploradores inclui
um pouco de tudo. Há navegadores, militares, jesuítas, pastores protestantes, artistas, naturalistas, plebeus e aristocratas -e até um ex-presidente
americano. Espanhóis, portugueses, luso-brasileiros, franceses, alemães, austríacos, britânicos, russos; parece que cada pedaço da Europa em dado
momento esteve bisbilhotando
a maior floresta tropical do planeta e seu rio mais caudaloso.
O autor é um ambientalista
paulista, atualmente radicado
em Belém. O que impressiona
no livro é a variedade da pesquisa que ele teve de fazer para
produzir os relatos. Não é o
mero caso de "quantidade" na
bibliografia; para narrar viagens de pessoas tão diferentes
foi necessário consultar obras
em praticamente todo o campo
do conhecimento humano.
É preciso entender a geografia do rio e da floresta, a história da colonização, a arqueologia, a etnografia, a zoologia e a
botânica da maior biodiversidade do planeta. Meirelles Filho teve de ir atrás de obras
bem diversas para explicar as
42 expedições.
Mas o que impressiona ainda
mais é descobrir que essa é
apenas a ponta do iceberg -ou,
em uma comparação mais adequada, apenas a copa da árvore.
No final do livro, há uma "breve
lista de 567 viagens à Amazônia
continental" entre 1500 e 1930!
O autor é de um didatismo
louvável ao descrever cada viagem, ou cada série de viagens.
Ele sempre mostra o "contexto" da exploração, assim como
descreve quem era seu líder;
diz qual foi o percurso e cita
quais obras constituem narrativas da expedição; e termina,
corajosamente, dando sua interpretação sobre quais foram
as "principais contribuições".
De um autor ambientalista e
que trabalha na criação de projetos de sustentabilidade na
Amazônia, seria de se esperar
que abusasse do politicamente
correto. Este "pré-conceito"
não é válido, felizmente. Meirelles Filho tem interpretações
sensatas de fenômenos, como o
bandeirismo, que costumam
provocar polêmica e dividem
as opiniões -os bandeirantes
ou eram heróis que alargaram
as fronteiras da pátria, ou eram
bárbaros matadores de índios.
Ele obviamente deplora a devastação causada pelos europeus, mas explica o ocorrido
sem anacronismos.
Por exemplo, quando fala das
contribuições da bandeira de
Raposo Tavares, ele primeiro
lembra que a primeira delas foi
alargar o território português
na América. "Destarte, importa
avaliar adequadamente o legado de um Raposo Tavares ou de
um André Fernandes, que não
deixam de constituir-se em
bandos de mercenários, que,
no entanto, servirão ao propósito da coroa portuguesa de expansão e domínio territorial
assim como os piratas-espiões
ingleses, como Walter Raleigh,
o fizeram nos albores da colonização da América", escreveu.
Rondon e Roosevelt
Há gente bem menos polêmica. Um deles é Cândido Mariano da Silva Rondon, o único
brasileiro homenageado no nome de um Estado, Rondônia. O
marechal Rondon fez tantas
viagens à Amazônia e a Mato
Grosso que o autor não teria como descrever todas, mas sim os
"ciclos" de expedições. Em uma
delas acompanhou o ex-presidente americano Theodore
Roosevelt, cujo nome foi dado
por Rondon ao então "rio da
Dúvida", pois era pouco conhecido. Defensor dos índios e
construtor de linhas telegráficas, foi um dos que mais fizeram para iniciar a integração da
região amazônica ao país.
Rondon merece admiração
por procurar trabalhar para
melhorar a vida de índios e ribeirinhos. Não fosse por essa
dedicação, "creio que não me
teria entregue, de corpo e alma,
à ingente luta para vencer o
cansaço de longuíssimas viagens a pé, a cavalo, em canoa,
debaixo de aguaceiros diluvianos", declarou o marechal, que
também fala de estar "mal alimentado e, às vezes, sem alimento, com sede, tremendo de
frio e de febre, a palmilhar léguas e léguas, carregando minha bagagem, dormindo mal,
ao relento e às intempéries. E
pior do que tudo isso, sofrendo
a ausência do lar".
Realmente, nada melhor que
ser explorador de poltrona.
LIVRO - "Grandes Expedições à
Amazônia Brasileira: 1500-1930"
João Meirelles Filho; Metalivros,
247 págs., R$ 140
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