São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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Pressão madeireira alavanca desmate em área protegida

Apesar de vir sofrendo queda na Amazônia, desmatamento cresce em unidades de conservação no sudoeste do Pará

Pesquisadores dizem que a situação é uma "afronta" dos desmatadores, mas acreditam que ausência do Estado facilita invasões

GIOVANA GIRARDI
ENVIADA ESPECIAL A ITAITUBA (PA)

O padre Arno Longo costuma dizer que não é um ambientalista, mas um "homem da agricultura familiar". Ainda assim, não perde a chance de, no sermão dominical, pregar contra o desmatamento: "Quando lhe entregou o Éden, Deus falou para o homem, dominai e conservai. Não é pra dominar e destruir como temos feito".
É um discurso que precisa de insistência. Entre seus fiéis estão algumas dezenas de assentados que sofrem diariamente com a pressão de madeireiros para que lhes entreguem as árvores comerciais de suas terras distribuídas em pequenos lotes na floresta amazônica. Diante da promessa da renda segura -porém a longo prazo- do cultivo agrícola, e do lucro imediato da motosserra, é fácil sucumbir ao segundo.
Essa é a realidade de pelo menos sete cidades (como Itaituba, Novo Progresso e Castelo dos Sonhos) do sudoeste do Pará, localizadas na área de influência da BR-163, que liga Cuiabá a Santarém. Na região, que tem um mosaico de reservas de 8 milhões de hectares, está sendo registrado um aumento do desmate justamente nas unidades que foram criadas para coibi-lo. Apesar de vir em queda há três anos em toda a Amazônia, lá o desmatamento só faz crescer, como demonstra levantamento do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Na Floresta Nacional estabelecida no município de Trairão, por exemplo, existe uma fazenda, de acordo com pesquisadores da região que não quiseram se identificar. No Parque Nacional da Amazônia, em Itaituba, vivem pelo menos 11 comunidades (veja texto abaixo).
Segundo o Imazon, entre agosto de 2006 a julho de 2007, 21% do corte raso observado no Pará ocorreu em unidades de conservação.

"Quem manda sou eu"
A "afronta" ao governo, como define o ecólogo Adalberto Veríssimo, do Imazon, é propiciada por um conjunto de situações: colonos que já viviam nesses locais antes de eles serem transformados em área de proteção, ausência de fiscalização, falta de planos de manejo florestal e pressão de madeireiros.
"Neste ano não saiu quase nenhum plano de manejo, mas a madeira continuou sendo retirada de dentro das reservas", conta Longo, que vê os caminhões com toras passando pela Transamazônica, em frente sua casa, todos os dias. Em um dia "fraco", como o presenciado pela Folha, foram pelo menos dez. "Bastou uma unidade de conservação ser criada para o pessoal correr lá e limpar as árvores nobres antes de o terreno ser demarcado", afirma.
Segundo Veríssimo, esta é uma atitude para mostrar poder. "O invasor vai lá pra dizer: "Quem manda aqui sou eu". Vira fato consumado. Se já foi desmatado, o pessoal acha que as pessoas não poderão mais ser retiradas de lá de dentro. É a forma de mostrar que são contra a criação das unidades."
Para ele, o estabelecimento de terras protegidas no entorno da BR-163 no início de 2006 foi um ato de coragem do governo, visto que se trata de uma região bastante conturbada.
"Mas com o passar do tempo o governo não conseguiu botar o pé na área. Em geral essas unidades ficaram no papel", explica Veríssimo. "Os infratores permaneceram lá e acharam que as unidades não eram pra valer", complementa.
Este aumento apontado pelo Imazon reflete, no entanto, só o corte raso da floresta. A ação pontual de madeireiros ilegais fica fora das estatísticas. No entanto, de acordo com o pesquisador, é exatamente aí onde começa o problema. "A estatística subestima a real agressão que a floresta sofre."

Assédio madeireiro
Como explica o padre Longo, a situação mais delicada desse processo é o assédio aos colonos que vivem em assentamentos localizados à margem da floresta. "Um atravessador de madeireiro entra na terra, derruba a árvore e o colono acaba sendo forçado a "vendê-la" com um discurso sutil: "Se você me entregar pro Ibama amanhece morto". O colono vende."
Um ipê, por exemplo, nessas condições, acaba saindo por R$ 40 o metro cúbico. É revendido depois por R$ 800.
Longo conta que em um assentamento de Itaituba há uma serraria dentro. "É proibido, mas está lá. Em vez de praticar agricultura familiar, o colono vira peão de serraria, se torna assalariado, ganha a cada 15 dias. Fica muito difícil nessa situação convencê-lo de que manter a floresta em pé é um negócio melhor para ele."
Para Veríssimo e Longo, tudo isso só tem ocorrido, no entanto, pela falta do governo na região. Procurado pela Folha, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, disse que o governo tem tentado resolver a questão. "Estamos fazendo ações para resolver essa ausência do Estado que você viu lá."
Para ele, desmatamento em UC é novidade. "Fazem isso com a expectativa de que, desmatando, ganharão o título da terra, mas isso não existe." Ainda assim, diz ele, a situação está melhor do que antes da criação das unidades. Segundo Capobianco, a perda de floresta crescia 500% ao ano na região desde 2001. "Com as UCs caiu mais de 98% no primeiro ano." O problema, lembra Veríssimo, é que voltou a crescer depois.


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