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Pressão madeireira alavanca desmate em área protegida
Apesar de vir sofrendo queda na Amazônia, desmatamento cresce em unidades de conservação no sudoeste do Pará
Pesquisadores dizem que a situação é uma "afronta" dos desmatadores, mas acreditam que ausência do Estado facilita invasões
GIOVANA GIRARDI
ENVIADA ESPECIAL A ITAITUBA (PA)
O padre Arno Longo costuma
dizer que não é um ambientalista, mas um "homem da agricultura familiar". Ainda assim,
não perde a chance de, no sermão dominical, pregar contra o
desmatamento: "Quando lhe
entregou o Éden, Deus falou
para o homem, dominai e conservai. Não é pra dominar e
destruir como temos feito".
É um discurso que precisa de
insistência. Entre seus fiéis estão algumas dezenas de assentados que sofrem diariamente
com a pressão de madeireiros
para que lhes entreguem as árvores comerciais de suas terras
distribuídas em pequenos lotes
na floresta amazônica. Diante
da promessa da renda segura
-porém a longo prazo- do cultivo agrícola, e do lucro imediato da motosserra, é fácil sucumbir ao segundo.
Essa é a realidade de pelo menos sete cidades (como Itaituba, Novo Progresso e Castelo
dos Sonhos) do sudoeste do Pará, localizadas na área de influência da BR-163, que liga
Cuiabá a Santarém. Na região,
que tem um mosaico de reservas de 8 milhões de hectares,
está sendo registrado um aumento do desmate justamente
nas unidades que foram criadas
para coibi-lo. Apesar de vir em
queda há três anos em toda a
Amazônia, lá o desmatamento
só faz crescer, como demonstra
levantamento do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Na Floresta Nacional estabelecida no município de Trairão,
por exemplo, existe uma fazenda, de acordo com pesquisadores da região que não quiseram
se identificar. No Parque Nacional da Amazônia, em Itaituba, vivem pelo menos 11 comunidades (veja texto abaixo).
Segundo o Imazon, entre
agosto de 2006 a julho de 2007,
21% do corte raso observado no
Pará ocorreu em unidades de
conservação.
"Quem manda sou eu"
A "afronta" ao governo, como
define o ecólogo Adalberto Veríssimo, do Imazon, é propiciada por um conjunto de situações: colonos que já viviam nesses locais antes de eles serem
transformados em área de proteção, ausência de fiscalização,
falta de planos de manejo florestal e pressão de madeireiros.
"Neste ano não saiu quase
nenhum plano de manejo, mas
a madeira continuou sendo retirada de dentro das reservas",
conta Longo, que vê os caminhões com toras passando pela
Transamazônica, em frente sua
casa, todos os dias. Em um dia
"fraco", como o presenciado
pela Folha, foram pelo menos
dez. "Bastou uma unidade de
conservação ser criada para o
pessoal correr lá e limpar as árvores nobres antes de o terreno
ser demarcado", afirma.
Segundo Veríssimo, esta é
uma atitude para mostrar poder. "O invasor vai lá pra dizer:
"Quem manda aqui sou eu". Vira fato consumado. Se já foi
desmatado, o pessoal acha que
as pessoas não poderão mais
ser retiradas de lá de dentro. É
a forma de mostrar que são
contra a criação das unidades."
Para ele, o estabelecimento
de terras protegidas no entorno da BR-163 no início de 2006
foi um ato de coragem do governo, visto que se trata de uma
região bastante conturbada.
"Mas com o passar do tempo
o governo não conseguiu botar
o pé na área. Em geral essas
unidades ficaram no papel",
explica Veríssimo. "Os infratores permaneceram lá e acharam que as unidades não eram
pra valer", complementa.
Este aumento apontado pelo
Imazon reflete, no entanto, só
o corte raso da floresta. A ação
pontual de madeireiros ilegais
fica fora das estatísticas. No entanto, de acordo com o pesquisador, é exatamente aí onde começa o problema. "A estatística
subestima a real agressão que a
floresta sofre."
Assédio madeireiro
Como explica o padre Longo,
a situação mais delicada desse
processo é o assédio aos colonos que vivem em assentamentos localizados à margem da
floresta. "Um atravessador de
madeireiro entra na terra, derruba a árvore e o colono acaba
sendo forçado a "vendê-la" com
um discurso sutil: "Se você me
entregar pro Ibama amanhece
morto". O colono vende."
Um ipê, por exemplo, nessas
condições, acaba saindo por R$
40 o metro cúbico. É revendido
depois por R$ 800.
Longo conta que em um assentamento de Itaituba há uma
serraria dentro. "É proibido,
mas está lá. Em vez de praticar
agricultura familiar, o colono
vira peão de serraria, se torna
assalariado, ganha a cada 15
dias. Fica muito difícil nessa situação convencê-lo de que
manter a floresta em pé é um
negócio melhor para ele."
Para Veríssimo e Longo, tudo
isso só tem ocorrido, no entanto, pela falta do governo na região. Procurado pela Folha, o
secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João
Paulo Capobianco, disse que o
governo tem tentado resolver a
questão. "Estamos fazendo
ações para resolver essa ausência do Estado que você viu lá."
Para ele, desmatamento em
UC é novidade. "Fazem isso
com a expectativa de que, desmatando, ganharão o título da
terra, mas isso não existe." Ainda assim, diz ele, a situação está
melhor do que antes da criação
das unidades. Segundo Capobianco, a perda de floresta crescia 500% ao ano na região desde 2001. "Com as UCs caiu
mais de 98% no primeiro ano."
O problema, lembra Veríssimo,
é que voltou a crescer depois.
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