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ENTREVISTA
JAMES LOVELOCK
Energia nuclear não é o melhor para o Brasil
Ambientalista que atraiu a inimizade de ONGs ao defender usina atômica diz que caso brasileiro requer solução distinta
Cientista concebeu a teoria de que a Terra se comporta como um organismo, ideia que inspirou o planeta ficcional do filme "Avatar"
Jaques Demarthon/France Presse
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O cientista britânico James Lovelock
GIULIANA MIRANDA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A energia nuclear não é a melhor opção para gerar eletricidade limpa no Brasil, afirma o
cientista britânico James Lovelock, ambientalista que comprou a inimizade de ONGs após
começar a defender as usinas
atômicas. Apontando-as como
solução para o corte de gases do
efeito estufa, Lovelock muda de
opinião quando se trata de falar
sobre o caso do Brasil, que tem
feito um "bom trabalho" com
as hidrelétricas.
Aos 90 anos, Lovelock mantém sua fama como criador da
hipótese de Gaia, segundo a
qual a Terra seria um organismo vivo capaz de se autorregular. Ele lança agora, em português, seu oitavo livro sobre o tema (leia crítica abaixo).
Mesmo tendo comprado a
inimizade do movimento verde, o discurso acessível do cientista levou a bandeira ambiental para muito além dos laboratórios. Desde a criação da hipótese de Gaia, há mais de 40
anos, surgiram vários filmes e
livros inspirados no conceito.
O mais recente é o sucesso de
bilheteria "Avatar". Na produção, Pandora, o planeta dos gigantes azuis Na'vi, também é
capaz de regular seu equilíbrio.
"Não vi o filme, mas estou curioso", disse.
Na vida real, o cientista está
muito próximo de chegar ao espaço. Contrariando a orientação de seu médico, ele se prepara agora para embarcar no primeiro voo da empresa de viagens espaciais Virgin Galactic.
Em entrevista à Folha, Lovelock fala sobre as expectativas
para sua aventura pessoal e para o futuro do planeta.
FOLHA - Em seus últimos livros, o
senhor defende a energia nuclear
como melhor alternativa para geração de energia limpa em países populosos. Isso se aplicaria ao Brasil?
JAMES LOVELOCK - As usinas nucleares são a melhor opção de
energia limpa em países populosos e com restrições de espaço, como é o caso, por exemplo,
do Reino Unido e do Japão. Para determinar a maneira mais
eficiente e mais responsável de
gerar energia em um país é preciso olhar as condições particulares de cada região. E eu creio
que esta não seja a melhor opção para o Brasil. Vocês têm feito um bom trabalho com a geração de energia hidrelétrica.
FOLHA - Alguns analistas dizem
que a oferta de urânio, principal
combustível das usinas nucleares,
está se esgotando. Como contornar
este problema?
LOVELOCK - O urânio certamente não está se esgotando. Além
disso, é um produto extremamente barato. Com um quilo de
urânio é possível produzir a
mesma energia que uma tonelada de carvão. É claro que,
comparado com o carvão, há
muito menos urânio no mundo. Mas a quantidade que nós
precisamos também é muito
menor. Infelizmente, a maior
parte dos reatores nucleares
em uso hoje, incluindo os dos
EUA, aproveita muito pouco da
potência energética do urânio,
menos de 10%. O resto é colocado em depósitos. A França, que
tem um dos melhores índices,
usa cerca de 30%. Acredito que
é possível aproveitarmos muito
mais. A tecnologia está caminhando para isso.
FOLHA - A conferência do clima em
Copenhague terminou sem uma
meta global de corte nas emissões
de gases do efeito estufa, desapontando a expectativa mundial. O senhor acredita que esse tipo de encontro entre as nações seja a melhor
maneira para obter consenso quanto à redução das emissões?
LOVELOCK - Eu acho que não.
Copenhague se transformou
em um palanque político. E numa reunião de industriais querendo uma vitrine para as chamadas tecnologias verdes. Havia muito dinheiro e muitos interesses envolvidos.
Na minha opinião, os políticos envolvidos não estavam tão
interessados no clima, e sim em
uma maneira de escapar da recessão econômica.
FOLHA - O senhor critica a produção de biocombustíveis, como o etanol, por ocuparem terras que serviriam para a produção de alimentos.
Os biocombustíveis brasileiros seriam uma ameaça?
LOVELOCK - Vocês estão indo
bem a com produção de etanol
no Brasil. A extração de combustível da cana-de-açúcar não
tem um grande impacto ambiental, como a do etanol vindo
do milho. E isso é uma contribuição para o mundo todo, não
apenas para o Brasil. Mas o país
ainda pode fazer melhor, encontrando formas de lidar com
o material não usado [resíduos]. Os índios fazem isso há
séculos, enterrando boa parte
das sobras e, assim, diminuindo
o carbono na atmosfera.
FOLHA - O planeta Pandora, do filme Avatar, é claramente inspirado
na teoria de Gaia, comportando- se
como um organismo vivo. O que o
senhor achou da interpretação do
conceito feita pelo filme?
LOVELOCK - Eu não vi o filme,
mas estou curioso para assisti-lo. Eu gosto da ideia. Se eles
querem fazer uma adaptação,
por que não? Boa sorte para
eles. Desde que o conceito de
Gaia surgiu, ele tem sido usado
de todos os jeitos possíveis. Eu
não posso impedir ninguém de
fazer isso.
FOLHA - O senhor está prestes a
viajar ao espaço. Por que decidiu se
aventurar no que é, por enquanto,
um projeto experimental de Richard
Branson, dono da Virgin Galactic?
LOVELOCK - O conceito de Gaia
surgiu há mais de 40 anos,
quando eu ainda trabalhava para a Nasa. Eu me lembro das
imagens do espaço feitas pelos
astronautas. Eram incríveis.
Nós vivemos em um planeta
realmente bonito. Quando me
ofereceram essa oportunidade
para ir conferir tudo isso por
conta própria, simplesmente
não consegui resistir. Foi um
gesto incrível de Richard Branson. Estou muito agradecido e,
principalmente, animado.
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