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Água marciana era salgada demais para abrigar vida
Estudo enfraquece hipótese da existência de micróbios em antigos oceanos
Tempo durante o qual água líquida existiu no planeta também põe em dúvida a possibilidade de formação de células, diz paleontólogo
JPL/Nasa
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Imagem obtida pelo jipe-robô Opportunity na cratera Endurance, em Meridiani Planum, Marte |
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BOSTON
Que Marte teve muita água
em algum momento do seu
passado é algo de que poucos
cientistas duvidam hoje. Mas
quem acha que isso bastou para
a vida surgir no planeta vermelho provavelmente vai se frustrar: novas evidências sugerem
que os mares marcianos eram
tão salgados que poucos organismos poderiam ter sobrevivido àquele ambiente.
As conclusões foram apresentadas ontem pelo paleontólogo Andrew Knoll, da Universidade Harvard (EUA). Especialista na origem da vida na
Terra, Knoll tem analisado os
dados enviados pelos jipes-robôs Spirit e Opportunity, da
Nasa, que passeiam por Marte
há quatro anos.
Em uma conferência durante
a reunião anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), Knoll afirmou
que, na época em que o vizinho
da Terra tinha seus mares, há
cerca de 3 bilhões de anos, as
condições para a proliferação
de bactérias "não eram adequadas", diferentemente do que
muita gente crê. Isso porque,
além de salgadas, as águas também eram ácidas. O pesquisador baseou suas conclusões,
que devem ser publicadas em
breve em um artigo científico,
nos dados enviados pelo Opportunity de uma região conhecida como Meridiani Planum.
O local possui sedimentos
que foram depositados pelas
águas cerca de 3 bilhões de anos
atrás. A análise química desses
sedimentos já havia dado a outros cientistas a primeira pista
de que o local era um habitat
ruim para microrganismos: alguns dos minerais presentes
nela só se formam em ambientes extremamente ácidos.
Knoll levou a análise química
um passo além, no que ele chama de "pausa para reflexão" sobre os dados dos robôs. "Tem
acontecido tanta coisa desde
que eles chegaram lá que não
houve tempo para parar e refletir sobre esses dados."
Grosso modo, o que o cientista fez foi o inverso do que qualquer pessoa pode fazer em casa
com um copo d'água e sal de cozinha. "Quando você coloca sal
de cozinha em uma solução, você pode acrescentá-lo até o
ponto de saturação. Depois disso ele começa a precipitar [depositar-se no fundo]", afirmou
Knoll. De forma inversa, olhando para a concentração de sal
nos sedimentos, é possível ter
uma idéia de quanto dele havia
dissolvido na água, como se isso
fosse uma espécie de "assinatura química" do líquido.
Em Meridiani, o principal sal
presente era o sulfato de magnésio, a julgar pelos dados enviados pelo robô explorador. A
concentração a partir da qual
ele se precipita é maior do que a
que existe na água do mar, na
Terra. "Talvez haja umas duas
dezenas de micróbios na Terra
que podem tolerar essa concentração", disse Knoll. Aliás,
disse, "toda a indústria de preservação de alimentos se baseia
no fato de que há poucas bactérias resistentes à salinidade."
Em outra região estudada, o
principal sal presente é o sal de
cozinha (cloreto de sódio), mas
em concentrações muito superiores à da água do mar. Uma
bela salmoura para conservar
picles, mas um péssimo lugar
para surgirem células vivas.
Frio e seco
Outro problema para o surgimento da vida é o tempo durante o qual houve água líquida na
superfície de Marte. O surgimento e a permanência dos
oceanos da Terra foram fundamentais para a vida. Marte pode até ter tido muita água, mas
um número cada vez maior de
dados tem apontado para oceanos um tanto quanto efêmeros.
"Acho que há um sentimento
crescente na comunidade científica de que Marte tem sido um
lugar frio e seco há muito tempo", afirmou Knoll.
"Ter água por duas semanas
em um intervalo de um milhão
de anos não adianta."
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