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Tribo do AM causa guerra na lingüística
Americano diz que a língua dos pirahãs, que só contam até três, desafia a teoria mais aceita sobre a linguagem humana
Segundo Daniel Everett,
idioma é exceção à chamada
Gramática Universal; trio
que analisou trabalho, no
entanto, critica a hipótese
Divulgação
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O lingüista Dan Everett, que viveu sete anos com os pirahãs |
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Uma tribo de caçadores-coletores do sul do Amazonas está colocando lingüistas e antropólogos em pé de guerra. Segundo um pesquisador, a língua dos pirahãs, um grupo de
350 pessoas que habitam o rio
Maici, perto da divisa com Rondônia, é tão excepcional que
põe em xeque a principal teoria
vigente sobre a linguagem humana. A tese, no entanto, é contestada por outros lingüistas.
Os pirahãs ficaram famosos
entre os acadêmicos devido ao
trabalho do americano Daniel
Everett, 55, um ex-missionário
cristão que hoje é professor da
Universidade Estadual de Illinois. Ele começou a estudar a
língua da tribo nos anos 1970,
com o objetivo (que nunca foi
cumprido) de catequizá-los.
Enquanto aprendia a língua,
vivendo numa aldeia pirahã
com a mulher e os filhos, Everett descobriu uma série de peculiaridades no idioma. Os pirahãs não têm palavras para cores. Usam apenas oito consoantes e três vogais. Não possuem
mitos de criação, não têm tempos verbais, não fazem arte só
sabem contar até três.
Em 2005, Everett publicou
no periódico "Current Anthropology" um artigo no qual afirmava também que a língua pirahã não tem recursividade, ou
seja, a capacidade de formar
sentenças encaixando uma frase na outra. Assim, um pirahã
seria capaz de dizer "a canoa de
João", "o irmão de João", mas
nunca "a canoa do irmão de
João". Como vivem numa sociedade extremamente simples, onde o que conta é a experiência imediata (o aqui e agora), os pirahãs, argumenta Everett, têm sua língua (e, portanto, seu pensamento) limitados
pela cultura -um caso único.
O trabalho caiu como uma
bomba no meio lingüístico. Se
Everett estivesse certo, o idioma pirahã seria um sério desafio à teoria da Gramática Universal. Desenvolvida pelo influente lingüista americano
Noam Chomsky, a teoria afirma que todos os seres humanos
possuem uma faculdade inata
da linguagem, uma espécie de
"órgão da linguagem" no cérebro. Essa capacidade independeria do meio cultural, tendo
sido impressa nos circuitos cerebrais do Homo sapiens pela
evolução. E a principal marca
dessa faculdade é justamente a
recursividade.
Uma exceção a essa regra significaria ou que os pirahãs não
são humanos ou que o arcabouço intelectual chomskiano
-sob o qual se formaram gerações de lingüistas- está falido.
Everett, é claro, aposta na segunda hipótese.
Bombando
A tese de Everett sobre como
a chamada "experiência imediata" limita a competência lingüística dos pirahãs saiu do domínio da academia na semana
passada e se espalhou como
rastilho de pólvora na imprensa popular. Uma reportagem de
20 páginas intitulada "O Intérprete - Será que uma tribo remota da Amazônia virou do
avesso nossa compreensão da
linguagem?" foi publicada na
prestigiosa revista americana
"The New Yorker" e citada por
jornais on-line, revistas e blogs
nos EUA e no Brasil.
No entanto, no final do mês
passado, antes de a "New Yorker" ir para a banca, um trio de
lingüistas dos EUA e do Brasil
postou no site especializado
Lingbuzz um artigo contestando ponto a ponto o trabalho de
Everett. Andrew Nevins, da
Universidade Harvard, David
Pesetsky, colega de Chomsky
no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts, e Cilene Rodrigues, da Unicamp, afirmam
-com base em trabalhos anteriores do próprio Everett- que
o pirahã não apresenta desafio
à Gramática Universal.
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