São Paulo, segunda-feira, 16 de agosto de 2004

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AMBIENTE

Injeção de gás carbônico em reservas geológicas pode reduzir sua ação na atmosfera; Petrobras tem dois projetos

Painel debate ataque a efeito estufa na BA

CRISTINA AMORIM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Durante três dias, a capital da Bahia vai reter todo o conhecimento do mundo sobre manuseio de CO2. De amanhã até quinta-feira, a cidade será sede de um encontro do 3º Grupo de Trabalho do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na sigla em inglês), grupo de especialistas voltado para a captura e o armazenamento de carbono.
O manuseio do dióxido de carbono (CO2) é uma estratégia pleiteada pelo órgão internacional, ligado à ONU, para reduzir os gases-estufa presentes na atmosfera. A idéia é impedir que o carbono inorgânico, produzido por queima, seja liberado no ar. Ao invés disso, ele seria captado e "guardado" em reservas geológicas (como salitres e poços esgotados de combustíveis fósseis) ou nos oceanos.
No Brasil, há pelo menos dois projetos em operação, ainda que o pontapé inicial não tenha sido altruísta. Há mais de dez anos, a Petrobras injeta 250 toneladas por dia de CO2 -vindo de uma fábrica de fertilizantes nitrogenados- em duas antigas jazidas petrolíferas no recôncavo baiano. Com a pressão exercida pelo gás, a companhia retira o petróleo residual.
A tecnologia aplicada nesses locais serve para capturar o carbono que escapa e reinjetá-lo até extinguir a vida produtiva do poço, explicou à Folha o consultor da Petrobras Paulo Sérgio Rocha, também membro do IPCC. Acontece que apenas uma parte do CO2 que entra sai: em um dos reservatórios, há um índice de retenção de 20%, e no outro, de 50%.
No mundo, há quatro grandes experiências de injeção de carbono em reservas geológicas: duas na Noruega, uma no Canadá e uma na Argélia. O IPCC usa os dados para quantificar quanto gás escapa, projetar investimentos e analisar impactos da tecnologia.
"Nunca se pesquisou tanto sobre o assunto", diz o consultor da Petrobras. Parte do estímulo intelectual vem do emergente mercado de créditos de carbono. Países desenvolvidos que não atingem seus objetivos de redução das emissões podem "comprar" créditos excedentes das nações que poluem pouco ou que não possuem metas oficiais.
O sistema está atrelado ao Protocolo de Kyoto, acordo internacional para a redução dos gases-estufa na atmosfera, que atualmente espera a ratificação da Rússia para entrar em vigor. "Mesmo que Kyoto não aconteça, alguns países, como os da Europa, vão impor a demanda", diz Rocha.

Sob as águas
Já o armazenamento de carbono nos oceanos ainda está no campo das idéias. "O CO2 pode ser mantido em "lagos" submarinos, por exemplo, pois sob determinadas condições de pressão e temperatura ele é mais denso do que a água", diz o cientista americano Chris Sabine, que participa da reunião em Salvador. O problema é que ninguém sabe como o gás afetaria os ecossistemas subaquáticos, pois até hoje não foram feitas experiências em larga escala, pelos custos proibitivos.
Os mares são "esponjas" naturais do CO2 atmosférico. Um estudo conduzido por Sabine e seu colega Richard Felly afirma que 118 bilhões de toneladas de CO2 provenientes da queima de combustíveis fósseis entre 1800 e 1994 foram parar nos oceanos. "Só que esse carbono permanece de forma superficial nos oceanos, é diferente do que aconteceria se injetássemos propositalmente", diz.

Papel político
Mesmo com poucos dados, o grupo dedicará um capítulo para o tema, num relatório que será apresentado ao plenário do IPCC. Caso seja aprovado, deve ser publicado em 2005 ou 2006, quando o público terá acesso às conclusões dos especialistas. Cada governo então decidirá se o material serve como base para suas diretrizes de desenvolvimento limpo.
"O IPCC é um painel de técnicos, não uma instituição", diz José Domingos Gonzalez Miguez, coordenador-geral de mudanças globais do clima no Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). No entanto, ele admite que a reunião possui caráter político, por reunir formadores de opinião: "Os cientistas, inclusive os brasileiros, como membros da sociedade, assumem um papel de disseminadores da visão de seu país", afirma.
Os países que participam do IPCC dividem-se no papel de anfitrião das reuniões. No Brasil, a responsabilidade foi assumida pelo MCT, pelo Ministério de Minas e Energia e pela Secretaria de Meio Ambiente da Bahia.

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