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Aquecimento ilhado
São Tomé
e Príncipe faz
plano contra
mudanças
do clima
a partir
de consultas
públicas
Alan Marques - 25.jul.04/Folha Imagem
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Crianças brincam em São Tomé e Príncipe; população da ilha está preocupada com a cada vez mais presente erosão do mar |
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Talvez os cientistas não
gostem. Mas, no arquipélago de São Tomé e Príncipe, na costa oeste da África, o
Pana (Plano de Ação Nacional
para as Mudanças Climáticas)
foi quase todo elaborado - o
que já coloca os irmãos de língua portuguesa à frente do Brasil - sem informações vindas
de modelos matemáticos.
"Não se trata de ciência no
nosso caso. Basta perguntar
para as pessoas, que estão sentindo o problema em seu dia-a-dia", disse o pesquisador Aderito Santana à Folha.
O são-tomense, além de ser o
coordenador do plano, é diretor do Instituto de Meteorologia do seu país, que também representa na OMM (Organização Meteorológica Mundial),
no IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática)
e na Convenção do Clima das
Nações Unidas.
"A estrada que vai para o
nosso aeroporto - ponto de
saída fundamental para uma
ilha que está a 160 km da costa
- só fica 1,5 metro acima do
mar. Precisamos ter cuidado",
explica Santana, que aprovou
seu plano com o governo nacional no início de agosto.
"Ele será financiado em parte pelo braço financeiro do
Banco Mundial", explica o pesquisador, que se baseou indiretamente nos relatórios do
IPCC para justificar a necessidade de agir.
Todo o plano, feito em dois
anos, partiu de informações
obtidas com a sociedade.
"Foram inquiridas mulheres
e homens das camadas mais
desfavorecidas do país, tais como agricultores, pescadores
(que fornecem 70% da proteína consumida no país), habitantes das zonas rurais longe
das zonas urbanas, assim como
habitantes de bairros degradados", diz o texto da metodologia do plano, ao qual a Folha
teve acesso. Empresas, gestores públicos e ONGs também
foram entrevistadas.
Uma lista de 16 problemas
foi colocada para os habitantes
da zona costeira.
O aumento do nível do mar, a
erosão costeira e a diminuição
das chuvas (o aquecimento poderá também causar secas)
causam preocupação em 100%
dos entrevistados.
Realidade
"É a realidade das pessoas.
Elas estão vendo os processos
erosivos com freqüência nas
praias. Para elas, não importa
muito se é por causa do aquecimento global, a questão é que o
mar está mesmo subindo."
De acordo com o plano, a "diminuição dos "caudais" dos rios,
a queda das chuvas, as gravanas
[secas] prolongadas, o aumento
da temperatura, a subida do nível do mar, as cheias dos rios e a
conseqüente contaminação das
águas, como ainda a erosão costeira" são os problemas considerados mais críticos para todo
o território nacional.
O arquipélago de São Tomé e
Príncipe, formado pelas duas
ilhas principais, além de várias
ilhotas, tem 1.001 km2 de área e
137 mil habitantes (79% com
menos de 35 anos e 53% abaixo
da linha pobreza). O país tem
regiões altas também, com até
2.000 metros de altura. Mas a
maior parte da população, além
de urbana, mora perto da costa.
Balanço negativo
País pequeno e pobre - a população total são-tomense tem
a mesma dimensão que a da cidade de Palmas (TO), a menor
das capitais brasileiras -, a nação africana precisa ser ajudada. Assim como todas as que estão na mesma situação que ela.
O inventário nacional de gases de efeito estufa, feito em
São Tomé e Príncipe em 1999
(o do Brasil só saiu em 2004), é
mostrado com orgulho por
Santana. O texto revela que o
país emite 568.663 toneladas
de carbono, mas absorve
1.544.545 toneladas.
Os maiores emissores são os
setores de energia e transporte.
A absorção é feita pelas florestas do país, que ainda estão bem
preservadas, segundo Santana.
"Quem mais contribuiu com
essa situação [a do aquecimento global] tem de pagar. O problema não é de um grupo, ele é
global. A discussão precisa ser
desapaixonada, pessoas e países vão sofrer as conseqüências", exclama Santana, aproveitando para dar um recado
claro para os países ricos.
No caso de São Tomé e Príncipe a luta contra o aquecimento global não poderá ser feita
sem o desenvolvimento social,
cultural e ambiental dos habitantes do país. O projeto mais
prioritário do Pana, por exemplo, é capacitar e fornecer estrutura para os pescadores.
Ainda no pódio, aparecem os
projetos de criação de um sistema de alerta climático e ações
de comunicação para que a sociedade mude seu comportamento ambiental. Custo das
iniciativas: US$ 1 milhão, para
um PIB de US$ 70,6 milhões.
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