São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2007

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Aquecimento ilhado

São Tomé e Príncipe faz plano contra mudanças do clima a partir de consultas públicas

Alan Marques - 25.jul.04/Folha Imagem
Crianças brincam em São Tomé e Príncipe; população da ilha está preocupada com a cada vez mais presente erosão do mar


EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Talvez os cientistas não gostem. Mas, no arquipélago de São Tomé e Príncipe, na costa oeste da África, o Pana (Plano de Ação Nacional para as Mudanças Climáticas) foi quase todo elaborado - o que já coloca os irmãos de língua portuguesa à frente do Brasil - sem informações vindas de modelos matemáticos.
"Não se trata de ciência no nosso caso. Basta perguntar para as pessoas, que estão sentindo o problema em seu dia-a-dia", disse o pesquisador Aderito Santana à Folha.
O são-tomense, além de ser o coordenador do plano, é diretor do Instituto de Meteorologia do seu país, que também representa na OMM (Organização Meteorológica Mundial), no IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática) e na Convenção do Clima das Nações Unidas.
"A estrada que vai para o nosso aeroporto - ponto de saída fundamental para uma ilha que está a 160 km da costa - só fica 1,5 metro acima do mar. Precisamos ter cuidado", explica Santana, que aprovou seu plano com o governo nacional no início de agosto.
"Ele será financiado em parte pelo braço financeiro do Banco Mundial", explica o pesquisador, que se baseou indiretamente nos relatórios do IPCC para justificar a necessidade de agir.
Todo o plano, feito em dois anos, partiu de informações obtidas com a sociedade.
"Foram inquiridas mulheres e homens das camadas mais desfavorecidas do país, tais como agricultores, pescadores (que fornecem 70% da proteína consumida no país), habitantes das zonas rurais longe das zonas urbanas, assim como habitantes de bairros degradados", diz o texto da metodologia do plano, ao qual a Folha teve acesso. Empresas, gestores públicos e ONGs também foram entrevistadas.
Uma lista de 16 problemas foi colocada para os habitantes da zona costeira.
O aumento do nível do mar, a erosão costeira e a diminuição das chuvas (o aquecimento poderá também causar secas) causam preocupação em 100% dos entrevistados.

Realidade
"É a realidade das pessoas. Elas estão vendo os processos erosivos com freqüência nas praias. Para elas, não importa muito se é por causa do aquecimento global, a questão é que o mar está mesmo subindo."
De acordo com o plano, a "diminuição dos "caudais" dos rios, a queda das chuvas, as gravanas [secas] prolongadas, o aumento da temperatura, a subida do nível do mar, as cheias dos rios e a conseqüente contaminação das águas, como ainda a erosão costeira" são os problemas considerados mais críticos para todo o território nacional.
O arquipélago de São Tomé e Príncipe, formado pelas duas ilhas principais, além de várias ilhotas, tem 1.001 km2 de área e 137 mil habitantes (79% com menos de 35 anos e 53% abaixo da linha pobreza). O país tem regiões altas também, com até 2.000 metros de altura. Mas a maior parte da população, além de urbana, mora perto da costa.

Balanço negativo
País pequeno e pobre - a população total são-tomense tem a mesma dimensão que a da cidade de Palmas (TO), a menor das capitais brasileiras -, a nação africana precisa ser ajudada. Assim como todas as que estão na mesma situação que ela.
O inventário nacional de gases de efeito estufa, feito em São Tomé e Príncipe em 1999 (o do Brasil só saiu em 2004), é mostrado com orgulho por Santana. O texto revela que o país emite 568.663 toneladas de carbono, mas absorve 1.544.545 toneladas.
Os maiores emissores são os setores de energia e transporte. A absorção é feita pelas florestas do país, que ainda estão bem preservadas, segundo Santana.
"Quem mais contribuiu com essa situação [a do aquecimento global] tem de pagar. O problema não é de um grupo, ele é global. A discussão precisa ser desapaixonada, pessoas e países vão sofrer as conseqüências", exclama Santana, aproveitando para dar um recado claro para os países ricos.
No caso de São Tomé e Príncipe a luta contra o aquecimento global não poderá ser feita sem o desenvolvimento social, cultural e ambiental dos habitantes do país. O projeto mais prioritário do Pana, por exemplo, é capacitar e fornecer estrutura para os pescadores.
Ainda no pódio, aparecem os projetos de criação de um sistema de alerta climático e ações de comunicação para que a sociedade mude seu comportamento ambiental. Custo das iniciativas: US$ 1 milhão, para um PIB de US$ 70,6 milhões.

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