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Isolado e imundo
Hábito de jogar excrementos pela janela e ausência
de médicos faziam do Brasil Colônia grande foco de epidemias, mostra novo livro
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
Não raro, no Rio de Janeiro, em Salvador ou em qualquer outro núcleo urbano
brasileiro colonial, um pedestre era "abatido" por excrementos humanos voadores enquanto seguia pela rua.
Não havia esgoto, e o hábito era jogar o resíduo pela janela mesmo. As ruas, claro,
não ficavam exatamente limpas, e se tornavam bastante
insalubres. Não tendo o país
nenhuma faculdade de medicina, doenças contagiosas
chegavam e ficavam sem enfrentar grande resistência.
Mesmo em 1799, já muito
perto do fim da colônia e da
chegada da família real portuguesa em fuga para o Brasil, o país, com cerca de 3 milhões de habitantes, não tinha mais de 12 médicos formados -todos importados.
Em Portugal (como no resto da Europa) também existia
o hábito pouco higiênico de
defenestrar fezes humanas,
mas por lá, pelo menos, a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra já formava gente desde 1290 -outros países europeus também
já tinham escolas médicas.
No caso brasileiro, a única
solução era improvisar.
"No Brasil Colônia, então,
formou-se uma pequena
multidão de curandeiros,
benzedeiras e rezadores que
tentavam suprir a absoluta
carência de profissionais habilitados", diz Cristina Gurgel, médica da PUC de Campinas que é especialista em
história da saúde.
Ela está lançando o livro
"Doenças e curas: o Brasil
nos primeiros séculos", pela
editora Contexto. Nele, ela
lista doenças que se propagavam com facilidade na época, como varíola, hanseníase, malária e sarampo, além
de constantes disenterias.
Por isso, a expectativa de
vida dificilmente passava
dos 30 anos. Crianças também eram vítimas fáceis: no
século 17, por exemplo, apenas uma em cada três crianças nascidas no Nordeste
conseguia sobreviver.
Até existiam alguns hospitais, como as Santas Casas,
mas eles eram mantidos muito mais pelos religiosos do
que por médicos.
CURA PELA PÓLVORA
Mesmo quando o paciente
tinha sorte e principalmente
dinheiro para conseguir assistência profissional, sua situação não era das melhores
-os médicos também não
sabiam muito bem o que estavam fazendo.
O médico português João
Ferreira Rosa, por exemplo,
chegou ao Recife em 1690 e,
do alto do seu reconhecimento como um dos poucos profissionais de saúde no país,
recomendou, entre outras
coisas, a expulsão das prostitutas -elas ofendiam a Deus,
que poderia querer se vingar.
Os remédios daquela época, aliás, frequentemente envolviam ingredientes como
fumo, fezes de cavalo, aguardente e, está documentado,
pólvora - imagine o alvoroço que isso tudo não causava
no organismo do vivente,
acabando por fazer muito
mais mal do que bem.
Ou seja, mesmo com a chegada da Corte ao país em
1808 e a criação de duas faculdades de medicina por
aqui (uma em Salvador e outra no Rio), a saúde pública
no país não melhorou muito.
A própria expectativa de
vida só viria a subir significativamente no século 20 -ontem, em termos históricos.
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