São Paulo, sábado, 16 de outubro de 2010

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Isolado e imundo

Hábito de jogar excrementos pela janela e ausência de médicos faziam do Brasil Colônia grande foco de epidemias, mostra novo livro

RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO

Não raro, no Rio de Janeiro, em Salvador ou em qualquer outro núcleo urbano brasileiro colonial, um pedestre era "abatido" por excrementos humanos voadores enquanto seguia pela rua.
Não havia esgoto, e o hábito era jogar o resíduo pela janela mesmo. As ruas, claro, não ficavam exatamente limpas, e se tornavam bastante insalubres. Não tendo o país nenhuma faculdade de medicina, doenças contagiosas chegavam e ficavam sem enfrentar grande resistência.
Mesmo em 1799, já muito perto do fim da colônia e da chegada da família real portuguesa em fuga para o Brasil, o país, com cerca de 3 milhões de habitantes, não tinha mais de 12 médicos formados -todos importados.
Em Portugal (como no resto da Europa) também existia o hábito pouco higiênico de defenestrar fezes humanas, mas por lá, pelo menos, a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra já formava gente desde 1290 -outros países europeus também já tinham escolas médicas.
No caso brasileiro, a única solução era improvisar.
"No Brasil Colônia, então, formou-se uma pequena multidão de curandeiros, benzedeiras e rezadores que tentavam suprir a absoluta carência de profissionais habilitados", diz Cristina Gurgel, médica da PUC de Campinas que é especialista em história da saúde.
Ela está lançando o livro "Doenças e curas: o Brasil nos primeiros séculos", pela editora Contexto. Nele, ela lista doenças que se propagavam com facilidade na época, como varíola, hanseníase, malária e sarampo, além de constantes disenterias.
Por isso, a expectativa de vida dificilmente passava dos 30 anos. Crianças também eram vítimas fáceis: no século 17, por exemplo, apenas uma em cada três crianças nascidas no Nordeste conseguia sobreviver.
Até existiam alguns hospitais, como as Santas Casas, mas eles eram mantidos muito mais pelos religiosos do que por médicos.

CURA PELA PÓLVORA
Mesmo quando o paciente tinha sorte e principalmente dinheiro para conseguir assistência profissional, sua situação não era das melhores -os médicos também não sabiam muito bem o que estavam fazendo.
O médico português João Ferreira Rosa, por exemplo, chegou ao Recife em 1690 e, do alto do seu reconhecimento como um dos poucos profissionais de saúde no país, recomendou, entre outras coisas, a expulsão das prostitutas -elas ofendiam a Deus, que poderia querer se vingar.
Os remédios daquela época, aliás, frequentemente envolviam ingredientes como fumo, fezes de cavalo, aguardente e, está documentado, pólvora - imagine o alvoroço que isso tudo não causava no organismo do vivente, acabando por fazer muito mais mal do que bem.
Ou seja, mesmo com a chegada da Corte ao país em 1808 e a criação de duas faculdades de medicina por aqui (uma em Salvador e outra no Rio), a saúde pública no país não melhorou muito.
A própria expectativa de vida só viria a subir significativamente no século 20 -ontem, em termos históricos.


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