|
Próximo Texto | Índice
MEDICINA
Molécula invade o câncer e o destrói com dose pequena de radiação; teste com humanos pode começar em 2002
Proteína radioativa mata célula de tumor
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
A estratégia militar que, segundo o poeta grego Homero, fez ruir
as defesas da ultrafortificada cidade de Tróia pode fazer a mesma
coisa com outro inimigo até agora
praticamente imbatível: o câncer.
O cavalo de madeira oco que teria transportado soldados inimigos para dentro da cidade pode
ser só uma lenda, mas a pesquisa
chefiada por David Scheinberg,
do Memorial Sloan-Kettering
Cancer Center, em Nova York, é
bem real. Foi testada em culturas
de células humanas e em camundongos doentes e funcionou.
Tudo que a equipe precisou fazer foi encaixar um anticorpo,
proteína produzida pelo corpo
para combater corpos estranhos
(e normalmente indesejados) em
seu interior, a um átomo bem pesado. Então, injetar punhados
desses conjuntos no organismo.
Os anticorpos foram escolhidos
a dedo. Cada um deles era capaz
de localizar e invadir um determinado tipo de célula cancerosa. O
átomo também foi bem selecionado. O critério era que ele precisava ser instável, ou seja, radioativo, na medida certa.
Um elemento é radioativo
quando seu núcleo atômico é tão
grande que não há forças suficientes para mantê-lo coeso por muito tempo. O que acaba acontecendo é que ele sofre decaimento
-perde um pedacinho e libera a
energia que estava sendo consumida para manter esse pedaço
grudado. Essas partículas liberadas (que podem ser dos tipos alfa,
beta ou ômega, dependendo do
pedaço que os átomos perdem)
são capazes de fazer um estrago
fenomenal em coisas vivas, como
células, cancerosas ou não.
A medida que os cientistas
usam para avaliar quão rápido
um elemento sofre decaimento é
chamada de meia-vida (o tempo
que leva para que metade dos átomos de uma amostra perca pedaços e se transforme, por consequência, em outro elemento).
Os cientistas precisavam de um
átomo que não tivesse uma meia-vida tão longa que inutilizasse o
tratamento, nem uma tão curta
que não permitisse que os anticorpos chegassem à célula cancerosa. Eles começaram seus estudos usando bismuto, mas a meia-vida era muito curta: apenas 46
minutos. Acabaram usando o actínio, com meia-vida de 10 dias.
A idéia era que o "anticorpo de
Tróia" entrasse na célula-alvo e ficasse por lá até que ocorresse o
decaimento do actínio, disparando uma partícula alfa (veja quadro à direita) que mataria a célula.
Se isso ainda não fosse suficiente,
o recém-formado frâncio (o actínio decaído) ainda liberaria uma
partícula alfa, decaindo novamente. O processo de decaimento
aconteceria mais duas vezes, antes que o átomo se tornasse estável. Ou seja, a célula cancerosa seria "baleada" com quatro tiros,
para garantir que fosse morta.
Prática
Os primeiros testes foram feitos
in vitro, com culturas de células
de vários tipos de câncer humano,
como leucemia, linfoma, tumor
de mama, ovário, cérebro e próstata. Os tecidos cancerosos foram
todos destruídos. Restava saber se
a estratégia não mataria também
o paciente no processo.
Por isso, numa segunda etapa,
resolveu-se testar o efeito em camundongos vivos, induzidos a
desenvolver equivalentes ao câncer de próstata e ao linfoma.
A injeção de anticorpos modificados causou regressão nos tumores e prolongou a vida dos animais submetidos ao tratamento.
Camundongos com o tumor similar ao de próstata, por exemplo, sobreviveram em média 33
dias sem tratamento. Com as injeções, eles sobreviveram por pelo
menos dez meses e não apresentavam sinais do tumor no momento da morte.
Os pesquisadores agora estão
pleiteando o início dos testes com
seres humanos, que a FDA (agência que regula medicamentos e
alimentos nos EUA) deve aprovar
para o ano que vem.
Para Scheinberg, a técnica pode
ser eficiente no combate ao câncer, mas não será a solução definitiva para o problema. "Não há soluções mágicas", ele disse à Folha.
"Mas pesquisadores estão fazendo progressos constantes no tratamento do câncer a partir de
uma variedade de abordagens."
O estudo é fruto de pesquisas
que vêm sendo aprimoradas pelo
grupo há duas décadas. "O conceito de usar partículas alfa nasceu conosco há 20 anos. Os detalhes dessa nova idéia têm aproximadamente três anos", diz o cientista. Os resultados mais recentes
dos experimentos estão publicados na edição de hoje da revista
norte-americana "Science"
(www.sciencemag.org).
Próximo Texto: Geofísica: Pesquisadores localizam fonte de magma que alimenta o Vesúvio Índice
|