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Limpando o tanque
Colunista do "New York Times" propõe em livro que EUA usem energias renováveis para restaurar hegemonia
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Como acabar com o
terrorismo islâmico,
enfraquecer tiranos
à Hugo Chávez e
Vladmir Putin, tirar
do buraco a maior economia do
planeta e ainda de quebra salvar a Terra dos piores efeitos
do aquecimento global? Não, a
resposta não é "Barack Obama", embora o presidente eleito dos EUA possa ter um papel
decisivo nisso. Para o jornalista
americano Thomas Friedman,
colunista de política externa do
"The New York Times", todos
esses problemas podem ser resolvidos por duas palavras: revolução energética.
Essa é a essência de "Hot,
Flat, and Crowded: Why We
Need a Green Revolution - and
How it Can Renew America"
("Quente, Plano e Abarrotado
Por Que Precisamos de uma
Revolução Verde - e Como Ela
Pode Renovar a América"), livro de Friedman lançado em
setembro nos Estados Unidos.
Se Obama ainda não leu, deveria fazê-lo -assim como
qualquer pessoa que não tenha
chegado ontem de Marte ou
não planeje voltar para lá no
futuro próximo. Nas suas 438
páginas, o jornalista argumenta que investimentos maciços
em novas tecnologias de energia, aliados a uma dose de regulação esperta do governo (ainda mais agora que governos estão na moda), podem criar uma
indústria verde multibilionária
que colocaria as engrenagens
enferrujadas do capitalismo
americano para rodar novamente. E o primeiro passo para
isso é "um presidente que não
tenha medo de fazer o que for
preciso para liderar [a revolução verde]". Algum candidato?
Um suprimento ilimitado de
"elétrons limpos, baratos e
confiáveis" produzidos por essa revolução, diz Friedman, teria sobre o planeta o mesmo
impacto transformador da internet. Ajudaria cidadãos a se
conectarem e as empresas a
competirem com mais eficiência. Reduziria a pilhagem dos
recursos naturais que causa o
aquecimento global. Como os
trabalhos verdes poderão estar
em qualquer lugar do mundo,
com computadores "made in
USA" ligados a painéis solares
"made in USA", o inchaço urbano também diminuiria. De
quebra, os EUA reduziriam sua
dependência de combustíveis
fósseis vindos de lugares perigosos, como o Iraque. Com o
preço do óleo em queda, regimes autoritários cairiam junto.
A democracia que George W.
Bush tentou implantar pelas
armas no Oriente Médio, diz
Friedman, viria naturalmente
caso os americanos parassem
de financiar petroditadores e
terroristas ao abastecer suas
SUVs com gasolina barata.
A serviço da Alemanha
Donos das melhores universidades e dos melhores institutos governamentais de pesquisa, os EUA parecem dormir em
berço esplêndido enquanto se
trata de produzir inovação tecnológica -o motor do capitalismo americano- em energia
limpa. O último grande avanço
na área, diz Friedman, aconteceu em 1957, com a instalação
da primeira usina nuclear.
Enquanto isso, os concorrentes dos EUA começam a perceber que, num mundo quente,
plano e abarrotado, a indústria
do futuro é a verde. O sexto homem mais rico da China hoje é
o dono de uma fábrica de painéis solares. E uma empresa de
tecnologia solar criada em Ohio
teve de se nacionalizar alemã
porque era impossível nos EUA
dar escala à produção para tornar o negócio competitivo.
E nos Estados Unidos... bem,
o símbolo da atitude do governo americano em relação à
energia renovável foi o primeiro ato do presidente George
Bush, pai, ao assumir o governo: mandar tirar os painéis solares instalados por Jimmy
Carter no teto da Casa Branca.
O baiji e o "grid"
Friedman usa seus talentos
de repórter para fazer um livro
que é ao mesmo tempo denso
em informação e irresistível de
ler. Conecta pontos aparentemente tão distintos quanto a
rede elétrica americana (o
"grid") e a extinção do baiji, o
boto do rio Yang-Tsé. É difícil
discordar de seus argumentos,
ainda mais quando eles são
apoiados não por ecoxiitas, mas
por CEOs do calibre de Bill Gates e Jeffrey Immelt, da GE.
E é justamente aqui que
Friedman se diferencia de outro ícone da defesa do clima, Al
Gore. Em vez de só apontar a
causa da crise, "Hot, Flat, and
Crowded" mostra como solucioná-la usando nada mais do
que as armas convencionais do
bom e velho capitalismo. Isso é
algo com o que os americanos
conseguem simpatizar, ainda
mais quando o que espera do
outro lado é a promessa de uma
"América" (pronuncie com o
sotaque do Mangabeira Unger)
grande e forte, dominando esse
admirável mundo limpo.
É claro, os leitores desse lugarzinho pequeno chamado
resto do planeta podem não se
sentir confortáveis com a obsessão de Friedman por restaurar a hegemonia dos EUA
-ainda mais agora que a crise
faz muita gente olhar para os
americanos mais com pena do
que com inveja. E nada garante
que o capitalismo consiga produzir o ciclo de inovação antevisto pelo autor para limpar a
matriz energética global; ao
contrário, as leis da termodinâmica costumam conspirar contra as tentativas da humanidade de criar energia maciçamente sem destruir alguma coisa.
Mas, num momento em que
um mulato se elege presidente
dos EUA prometendo "empregos verdes" e menciona os desafios de "um planeta em perigo" em seu discurso de vitória,
sonhar nunca foi tão barato.
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