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Pesquisa mostra vingança de escravo no Brasil Império
Pequenos proprietários, sem capatazes, eram vítimas fáceis de ataques; brigas incluíam até luta em bananal
Senhores mais ricos, "de novela", ficavam distantes dos cativos; número total de donos mortos é desconhecido
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
Os senhores do Brasil escravocrata eram tão confiantes na submissão dos seus escravos que, com frequência,
acabam assassinados por falta de tato ao lidar com eles.
A conclusão é da historiadora Maíra Chinelatto Alves,
cujo mestrado recém-completado na USP é sobre isso.
Ela conta, por exemplo, o
caso do velho Pedro Antônio
Oliveira, mais de 80 anos, de
Campinas. Em 1845, irritado,
teve a genial ideia de ir sozinho atrás de um dos seus 15
escravos, João de Nação, negro forte com menos de 30
anos, para castigá-lo.
Em uma cena digna de filme B de ação rodado no Terceiro Mundo, o velho e o negro se encontraram no meio
de um bananal. Oliveira deu
uma paulada na cabeça de
João, que reagiu com uma
foice, matando o seu dono.
Em sua defesa, João disse
que tinha tomado "algumas
pingas" e que "ainda andava
meio quente delas".
Com frequência, diz Chinelatto, os donos achavam
que seus escravos faziam corpo mole e desciam o sarrafo
para acabar com isso.
Os mais ricos tinham intermediários, como capatazes,
responsáveis por lidar com
os escravos. O senhor, então,
conseguia ficar mais distante. "Mantinha até uma imagem paternalista de senhor
justo, a quem os cativos podiam recorrer", diz Chinelatto, que estudou processos
criminais da época.
SEM INTERMEDIÁRIOS
Mas proprietários mais pobres, como Oliveira, não tinham como manter intermediários. "Não existia só aquele senhor que a gente vê em
novela, com vários capatazes. Todo mundo tinha escravos, mesmo que poucos." Senhores mais pobres tinham
de se misturar aos escravos.
Outro deles era João Lopes
de Camargo, também de
Campinas. Num dia de 1847,
foi até a roça e achou o serviço mal feito. Por isso, chicoteou o escravo Matheus.
Ele reagiu, derrubando Camargo, que caiu de bruços.
Mateus batia com um pedaço
de pau, enquanto seu colega
Venâncio atacava de enxada.
Enquanto apanhava, segundo o depoimento de uma
escrava, Camargo pedia a
Matheus "que pelo amor de
Deus não lhe matasse", prometendo-lhe a liberdade.
Matheus: "Quando você
está surrando minha mulher,
não se lembra de carta de liberdade. Por isso hei de matar você, mulher e filhos".
Conseguiu matá-lo e correr para matar sua mulher,
mas foi impedido por vizinhos que foram ver o que
acontecia -o que mostra que
a fazenda de Camargo, de fato, não era tão grande.
Um terceiro proprietário,
Antônio Pinto da Silva, foi
morto em 1849 depois de esbofetear um escravo que, "de
modo arrogante", disse que
não podia comer angu pois
"isso lhe faria mal à barriga".
A punição para os escravos assassinos mudou com o
tempo. No começo do século
19, a regra era a pena de morte. Com o final da escravidão
se aproximando, as penas foram ficando mais brandas.
Era um sinal de que mesmo a Justiça começava a
achar aceitável certa revolta
contra a escravidão. Além
disso, há um motivo menos
ideológico: com o fim do tráfico, escravos ficaram caros,
e não se mata algo valioso.
É difícil saber exatamente
quantos casos aconteceram:
processos podem ter se perdido, e a própria Justiça ainda estava se consolidando.
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