São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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Em Bali, ONU rascunha acordo do clima

Decisão saiu após EUA desistirem de bloquear debate no último dia do encontro; tratado deve ficar pronto em 2009

Intervenção de Ban Ki-moon foi decisiva; esboço de plano para redução de emissões de carbono ainda não prevê metas obrigatórias por país

Supri/Reuters
Ativista que queria metas obrigatórias de controle de gases-estufa já em Bali pede, agora, que medida saia "assim que possível"

CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BALI

O que é preciso para salvar um planeta? Para um grupo de diplomatas de 191 nações reunidos até ontem na ilha indonésia de Bali foram necessárias duas semanas de negociação e uma bronca do secretário-geral das Nações Unidas. Ontem, após 13 dias de conversas dramáticas, e sob ameaça de fracasso, eles finalmente aprovaram o Mapa do Caminho de Bali, o embrião do acordo que definirá o combate ao aquecimento global após 2012, quando expira o Protocolo de Kyoto.
Ban Ki-moon interrompeu uma viagem oficial ao Timor Leste para pressionar no último minuto (às 13h15 da tarde) os delegados na COP-13, a Conferência do Clima de Bali, a romper um impasse que ameaçava desmantelar o acordo. A principal pedra no caminho eram os Estados Unidos.
Depois de um discurso duro do presidente da Indonésia, Susilo Bambang, Ban abandonou seu tom habitualmente apático e ameaçou ministros e negociadores. "Chego até vocês francamente decepcionado com a sua falta de progresso", disparou. E sugeriu que um fracasso de Bali seria uma "traição ao nosso planeta e aos nossos filhos". A dura surtiu efeito: duas horas depois, o acordo que não saíra em 13 dias estava concluído.
"Estou nisso há 15 anos e nunca eu tinha visto um chefe de Estado e um secretário-geral se dirigirem a uma conferência no momento de tomar a decisão", disse Everton Vargas, negociador-chefe do Brasil.
O que diplomatas produziram em Bali não foi bem a salvação do planeta, mas sim um conjunto de documentos que a torna possível. O Mapa do Caminho define conteúdo e prazo das negociações que, em 2009, definirão o novo regime de proteção do clima.
O futuro tratado estenderá e aprofundará o Protocolo de Kyoto, cujas metas modestas de 5,2% de corte de emissões de gases-estufa por um grupo de apenas 37 países estão longe de dar conta do desafio de evitar o aquecimento potencialmente catastrófico de 2C acima da média da era pré-industrial.

Idéia vaga
Kyoto vai operar entre 2008 e 2012, e até ontem não havia a mais vaga idéia sobre o que pôr no seu lugar. Agora há, embora ainda seja de fato uma idéia um tanto vaga. Para contornar a tentativa dos EUA de obstruir o processo, o Mapa do Caminho omitiu qualquer referência a objetivos de médio e longo prazo de corte de emissão.
Uma proposta de menção a metas de 25% a 40% de redução até 2020 em relação aos níveis de 1990 era derivada das conclusões do IPCC, o painel de climatologistas da ONU. Mas os EUA, que antes haviam manifestado seu reconhecimento ao IPCC, resolveram em Bali negar a ciência de novo.
Dizendo que as conclusões do painel do clima não podiam ter caráter político, a negociadora-chefe dos EUA, Paula Dobriansky, passou a recusar as metas. A solução foi "aguar" o documento final. Em vez de metas, o preâmbulo do chamado Diálogo para a Implementação da Convenção fala apenas no reconhecimento de que "cortes profundos nas emissões globais serão necessários". Apenas uma nota de rodapé no texto final remete ao IPCC.
Um dos cenários recomendados pelo painel exige que as emissões globais de carbono cheguem ao pico nos próximos 10 a 15 anos, passando a declinar abruptamente em seguida, com um corte de até 40% em 2020. Outros cenários permitem reduções menores, mas resultam em mais aquecimento e mais secas e mais tempestades.
"Fica tudo aberto", disse Marcelo Furtado, do Greenpeace. "Do jeito que está o texto, os europeus podem fazer 40% [de redução] e os americanos zero, e dizerem que o acordo foi cumprido." Para ele, o Mapa do Caminho "não atende às expectativas da ciência nem do público".
Para Everton Vargas, porém, foi "um excelente acordo". "Uma negociação entre 190 países [mais a UE] adotada por consenso não tem como deixar explícitas várias coisas que poderiam ficar", afirmou.

Comparabilidade
Para o embaixador, um ponto aparentemente sem importância na segunda página do documento do Diálogo é especialmente relevante. Ele estabelece a "comparabilidade" dos esforços dos países desenvolvidos para a redução de emissões. Ou seja, obriga os EUA a tomar medidas contra o aquecimento global comparáveis às das nações signatárias de Kyoto. Isso porque os EUA, apesar de terem pulado fora de Kyoto, ainda são membros da Convenção do Clima. E, a partir de agora, todos os membros da convenção terão de adotar compromissos "mensuráveis, verificáveis e reportáveis" de corte de gases-estufa. Esses compromissos podem ser ações que levem a medidas de eficiência energética, no caso da China, ou à redução do desmatamento, no caso brasileiro.
A menção às florestas, em especial, foi considerada uma vitória do Brasil, que articulou com a África do Sul a nova possível estrutura do acordo. Ela corresponde à negociação em "dois trilhos" do Mapa do Caminho -algo capaz de engajar os países pobres sem dar a eles metas obrigatórias "injustas". A adesão da China à proposta ajudou a enfraquecer a intransigência dos EUA.
Agora, de um lado, seguem o "trilho" da Convenção os países em desenvolvimento e os EUA; num outro "trilho", o do Protocolo de Kyoto, 37 nações ricas prometem aprofundar suas metas nacionais obrigatórias no futuro. O "trilho" de Kyoto mantém expresso o compromisso de médio prazo, as metas de 25% a 40% até 2020. Isso deve impedir que Japão, Austrália e Canadá -que ratificaram Kyoto com ressalvas e têm medo de compromissos futuros- troquem de trilho no meio do caminho e embarquem juntamente com os EUA no trem da alegria dos compromissos não-vinculantes (sem valor de lei).
Não está claro quais seriam os compromissos dos EUA, mas isso não é assunto para agora: George W. Bush, que viverá na infâmia como o líder que mais atrapalhou a solução do maior problema ambiental da história, será apeado do poder no final do ano que vem. Os principais candidatos à Casa Branca, tanto no Partido Democrata quanto no Partido Republicano, de Bush, já entenderam o recado e se comprometeram a agir diferente no clima.
O caminho está traçado. Agora, a negociação precisará correr contra o tempo para a COP-15, em 2009 em Copenhague (Dinamarca), quando o mapa tem de ganhar status de acordo.

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