São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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"Circo do fim do mundo" acaba entre acusações e lágrimas

DO ENVIADO A BALI

É difícil transmitir a tensão que se viu e sentiu em Bali na última semana das negociações do Mapa do Caminho. A melhor expressão desse sentimento talvez tenha sido a do secretário-executivo da Convenção do Clima, o holandês Yvo de Boer: diante do impasse na plenária, exausto após uma reunião que fora interrompida às 3h30 da manhã e reiniciada às 8h, ele pôs a mão no rosto, chorou e saiu da sala.
Foi uma reta final melancólica para um encontro que tivera início, no dia 3, como uma grande festa. Cerca de 15 mil pessoas compareceram ao distrito-resort de Nusa Dua, na paradisíaca (e insuportavelmente quente) ilha indonésia.
Animados pelas evidências compiladas pelo IPCC (em tese, à prova de contestação pelos governos), os participantes da COP-13 acharam que uma resposta adequada ao aquecimento global era algo garantido. Esbarraram na realidade política e no processo inerentemente lento das Nações Unidas.
Na primeira semana de COP, Bali viu de tudo: de lobistas de um nascente mercado de carbono tentando fazer dinheiro com proteção de florestas até protestos de ONGs que aconteciam sempre ao meio-dia. Num hotel vizinho, simpósios discutiam desde o impacto dos biocombustíveis no clima até tecnologias de captura de carbono.
No centro de imprensa, ONGs chamavam jornalistas para viagens gratuitas (o governo da Indonésia também fez isso, mas só para a imprensa estrangeira) e um certo Lorde Mockton, que se apresentava como conselheiro científico da ex-premiê britânica Margareth Thatcher, pregava contra "a fraude científica do IPCC".
Vestindo um terno azul fora de moda e gravata (enquanto diplomatas aderiam à moda das blusas de batique), Mockton oferecia entrevistas para promover sua visão "cética" do efeito estufa e atacar o IPCC e Al Gore. Depois da apresentação demolidora de Gore, na quinta, ele não foi mais visto.

Fóssil do século
O clima começou a azedar no fim-de-semana passado, quando os EUA lançaram sua ofensiva para melar a COP. A tensão chegou ao auge na quinta-feira, quando o ministro alemão do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel, e o comissário europeu para o Ambiente, Stavros Dimas, ameaçaram boicotar a reunião das grandes economias que Bush convocara para 2008.
Na madrugada de sábado a resistência americana foi vencida. Pela manhã, foi a vez de o G77 reclamar. O bloco das nações em desenvolvimento, que inclui o Brasil, pediu para que fosse mantida a palavra "comparabilidade" para os esforços de redução dos países desenvolvidos (leia-se os americanos) e exigiu que os compromissos de financiamento, transferência de tecnologia e capacitação dos países pobres pelos ricos fossem também mensuráveis e verificáveis.
Nesse momento, Ban Ki-moon interveio na plenária. Daí em diante, seguiram-se trocas de acusações, com os chineses culpando De Boer (que chorou) e os sul-africanos acusando os EUA de jogo sujo.
Diplomacia à flor da pele. (CA)


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