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O cérebro não tem cor
DIFERENÇAS INATAS DE INTELIGÊNCIA ENTRE RAÇAS SÓ APARECEM EM TESTES MAL PROJETADOS, AFIRMA PSICÓLOGO NORTE-AMERICANO
RICHARD NISBETT
James Watson, laureado
com o Prêmio Nobel em
1962, recentemente afirmou que se sentia "inerentemente pessimista
quanto às perspectivas da África" e de seus cidadãos, porque
"todas as nossas políticas se baseiam no fato de que a inteligência deles equivale à nossa,
enquanto os testes apontam no
sentido contrário".
As declarações de Watson
causaram agitação porque implicavam que negros fossem
geneticamente inferiores aos
brancos, e a controvérsia resultou em sua renúncia ao posto
de diretor do Laboratório de
Cold Spring Harbor. Mas ele tinha razão? Existe uma diferença genética entre negros e
brancos que condene os negros
a uma perpétua posição de inferioridade intelectual?
A primeira discussão pública
notável dessa questão científica surgiu em um artigo publicado em 1969 por Arthur Jenson, psicólogo da Universidade
da Califórnia em Berkeley. Ele
sustentava que a diferença de
15 pontos nos resultados de
testes de QI dos brancos e negros se devia a uma diferença
genética incontornável entre
as duas raças.
Mas os argumentos que ele
expunha tratavam de maneira
enganosa as provas científicas.
Outros estudiosos usaram esses argumentos depois -Richard Hernnstein e Charles
Murray em "The Bell Curve"
(A Curva do Sino), publicado
em 1994, por exemplo, e recentemente William Saletan, em
artigos para a revista "Slate"-
e cometeram o mesmo erro.
Ambiente dominante
Na verdade, as provas favorecem fortemente a hipótese de
que as diferenças de QI entre as
raças têm origem ambiental e
não genética.
O argumento hereditarista
parte da alegação de que entre
60% e 80% da variação no QI é
determinada geneticamente.
No entanto, a maioria dos estudos de características herdadas
se baseia em pessoas de classe
média. No caso dos pobres
-grupo que inclui larga proporção de minorias étnicas-,
um estudo recente de Eric Turkheimer, da Universidade da
Virgínia, apontou que a influência hereditária é baixa, entre 10% e 20%. Isso significa
que, para os pobres, melhoras
no ambiente teriam maior potencial de gerar elevação do QI.
De qualquer forma, o grau de
hereditariedade de uma característica nada nos informa sobre até que ponto ela pode ser
influenciada pelo ambiente.
Mesmo nos casos em que um
traço é altamente herdável (por
exemplo, a altura dos pés de
milho), a mutabilidade também pode ser elevada (há diferenças que podem ser geradas
pelas condições do cultivo).
Quase todos os indícios que
sugerem uma base genética para o diferencial de QI são indiretos. Temos, por exemplo,
uma correlação entre tamanho
do cérebro e QI, e os negros têm
cérebros menores que os brancos; no entanto, homens e mulheres, duas categorias que
também possuem essa diferença, obtêm resultados semelhantes em testes de QI.
Por que depender de constatações indiretas e enganosas
como essas quando dispomos
de dados mais diretos quanto à
base do diferencial de QI? Cerca de 25% dos genes da população negra norte-americana são
europeus, o que significa que os
genes de qualquer indivíduo
podem variar de 100% africanos a majoritariamente europeus. Caso os genes de inteligência europeus fossem superiores, então os negros que
apresentam maior proporção
de genes europeus deveriam
ter QI superior ao dos negros
com mais genes africanos. Mas
a cor da pele e os traços "negróides" do rosto -ambos indicadores da proporção de presença européia nos antepassados de um negro- apresentam
correlação baixa com os resultados de QI (ainda que fosse
possível esperar uma correlação moderadamente elevada
devido às vantagens sociais que
esses traços físicos conferem).
Diferença irrelevante
Durante a Segunda Guerra
Mundial, soldados norte-americanos, tanto negros quanto
brancos, tiveram filhos com
mulheres alemãs. Assim, algumas dessas crianças tinham herança 100% européia e outras
tinham considerável presença
de genes africanos. Testados
mais tarde em suas infâncias,
os filhos alemães de pais norte-americanos brancos apresentavam QI médio de 97, e os de
pais negros, de 96,5, uma diferença irrelevante.
Se os genes europeus conferissem vantagem, deveríamos
esperar que os negros mais inteligentes apresentassem herança européia em grau substancial. Mas quando um grupo de pesquisadores tentou localizar as mais inteligentes entre
as crianças negras no sistema
escolar de Chicago e lhes perguntou sobre as origens raciais
de seus pais e avós, as crianças
como grupo não tinham maior
proporção de genes europeus
em suas origens do que a média
da população negra da cidade.
Um dado ainda mais revelador é que exames de tipo sangüíneo foram usados para avaliar a presença de genes europeus em pessoas negras. Os
exames de tipo sangüíneo não
demonstraram correlação nenhuma entre o grau de herança
européia e o QI. De maneira semelhante, os tipos sangüíneos
mais estreitamente associados
a um alto desempenho intelectual, entre os negros, não são
mais europeus em origem do
que outros grupos sangüíneos.
O que defensores do hereditarismo dispõem de mais próximo a uma prova direta é um
estudo dos anos 1970, segundo
o qual crianças negras adotadas
por pais brancos tinham QI
mais baixo do que crianças de
etnia mista adotadas por pais
brancos. Mas, como reconheceram os pesquisadores, o estudo apresentava muitas falhas;
por exemplo, as crianças negras haviam sido adotadas em
idade substancialmente mais
alta do que as crianças mestiças, e uma adoção em idade
mais tardia apresenta correlação com QI mais baixo.
Prova ignorada
Um estudo mais cuidadoso
de adoções -que os hereditários preferem ignorar- foi conduzido pela psicóloga Elsie
Moore, na Universidade Estadual do Arizona, e envolvia
crianças negras e mestiças adotadas por famílias de classe média, negras ou brancas. O estudo não constatou diferença de
QI entre as crianças negras e as
mestiças. O mais revelador foi a
constatação de Moore de que as
crianças adotadas por famílias
brancas tinham QI 13 pontos
mais alto do que o das adotadas
por famílias negras. Ou seja, o
ambiente em que até mesmo
crianças negras de classe média
são criadas tende a favorecer
menos o desenvolvimento de
QI do que o ambiente da classe
média branca.
Importantes pesquisas realizadas nos últimos anos ajudam
a identificar com precisão exatamente que fatores determinam as diferenças em resultados de QI. Joseph Fagan, da
Universidade Case Western
Reserve, e Cynthia Holland, do
Cuyahoga Community College,
testaram brancos e negros
quanto ao seu conhecimento
de palavras e conceitos e sua
capacidade para aprendê-los e
usá-los durante um raciocínio.
Os brancos tinham conhecimento substancialmente
maior de diversas palavras e
conceitos, mas quando os participantes foram testados para
a capacidade de aprender novas palavras, quer por meio de
definições de dicionário, quer
contextualmente, os negros
apresentaram desempenho tão
bom quanto o dos brancos.
Os brancos demonstraram
melhor compreensão de ditados, mais capacidade de reconhecer similaridades e mais facilidade com analogias quando
as soluções requeriam conhecimento de palavras e conceitos
que tinham mais probabilidade
de serem conhecidos pelos
brancos do que pelos negros.
Mas quando essas formas de
raciocínio foram testadas com
palavras e conceitos conhecidos igualmente bem pelos
brancos e negros, não foram
constatadas diferenças.
Causa ambiental
Que o ambiente pode ter
efeito considerável sobre o QI é
um fenômeno demonstrado
pelo chamado efeito Flynn. James Flynn, filósofo e pesquisador de QI da Nova Zelândia, estabeleceu que, no mundo ocidental como um todo, o QI subiu consideravelmente entre
1947 e 2002. Nos Estados Unidos apenas, a alta foi de 18 pontos. Nossos genes não podem
ter mudado o suficiente, no período em questão, para responder pela alteração, de modo que
ela deve ter surgido em decorrência de poderosos fatores sociais. Essas mudanças, ao longo
do tempo, também ocorrem
entre as diferentes subpopulações humanas.
De fato, sabemos que a diferença de QI entre crianças
brancas e negras de 12 anos de
idade caiu de 15 para 9,5 pontos
nos últimos 30 anos -período
que de muitas maneiras favoreceu mais os negros do que as
eras precedentes. O avanço dos
negros no teste nacional dos
EUA de avaliação de progresso
educacional mostra ganhos semelhantes. O progresso em termos de leitura e matemática foi
modesto entre os brancos, mas
substancial para os negros.
O mais importante é que sabemos que intervenções em todas as faixas etárias, da infância
ao ensino superior, podem reduzir a disparidade racial em
termos de QI e realizações acadêmicas, às vezes de maneira
substancial e em prazos surpreendentemente curtos. Esta
mutabilidade fornece nova
prova de que a diferença de QI
tem causas ambientais e não
genéticas. E deveria nos encorajar, como sociedade, a garantir que todas as crianças recebam amplas oportunidades de
desenvolver seus cérebros.
RICHARD NISBETT , professor de psicologia da
Universidade de Michigan, é autor do livro "The
Geography of Thought" (A Geografia do Pensamento). Este artigo foi publicado originalmente
no "New York Times"
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