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+ Marcelo Leite
A morte das espécies
Com o terceiro ramo da árvore da vida, as coisas só complicaram
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A coluna de hoje começou a nascer com uma indicação do biólogo João Francisco Botelho
(autor de uma instigante dissertação
de mestrado à qual ainda voltarei).
Era um editorial de Adam Wilkins no
periódico "BioEssays" deste mês, sob
o título "Cai a ficha (finalmente) para
a indústria da biotecnologia: genes
não são agentes autônomos, mas funcionam dentro de redes!".
Vale a pena ler o editorial, que ecoa
muitos temas tratados aqui nos últimos cinco anos. Wilkins se espanta,
como eu, com a incapacidade de capitalistas da biotecnologia enxergarem
os buracos na idéia de "gene industrial" (numa palavra: patenteável).
Vou passar batido, porém.
Ocorre que Wilkins cita dois autores que em geral me fazem cismar. O
primeiro é Denise Caruso, jornalista
que escreveu um bom livro -crítico-
sobre transgênicos, "Intervention".
Importa aqui o outro, Freeman
Dyson, de quem li "O Sol, o Genoma e
a Internet" (e não gostei).
Wilkins tampouco gostou de "Nosso Futuro Biotecnológico", que Dyson
publicou no jornal "The New York Review of Books" em julho. É coisa de
louco. Dyson delira com ferramentas
biotecnológicas acessíveis como microcomputadores, que tornarão cada
um de nós capaz de construir quimeras de carne e osso -e plantas com folhas negras de silício- no quintal.
O grande mérito do pequeno ensaio
é chamar a atenção para um último
texto, de Carl Woese e Nigel Goldenfeld, que saiu na "Nature" em 25 de janeiro, "A Próxima Revolução da Biologia". Com ele esta coluna chega enfim ao tema do título.
Para quem não conhece, Woese é o
homem que acrescentou um ramo à
árvore da vida. Até seus estudos moleculares com microrganismos, havia só
dois grandes tipos de seres vivos reconhecidos: bactérias e o resto. Ou seja,
procariotos (unicelulares sem núcleo)
e eucariotos (uni ou pluricelulares
com núcleo, quer dizer todos os fungos, animais, plantas e mais um monte
de coisas).
Emerge toda uma outra classe de
microrganismos, Archaea, às vezes
chamados de arqueobactérias. Surgiu
o terceiro ramo. Desde então as coisas
não pararam de se complicar.
Bactérias e arqueobactérias não
apenas compõem dois terços da árvore da vida como são os seres mais
abundantes da Terra. Estima-se que
só no corpo de cada um de nós existam 1 quatrilhão delas. Para piorar,
são um tanto promíscuas -têm o hábito de trocar DNA com qualquer um,
parente ou não. É o que se chama de
transferência horizontal de genes.
Não é preciso ser gênio para perceber que esse troca-troca bagunça o
conceito tradicional de espécie. Na
biologia bem-comportada de Lineu e
Darwin, a coleção de genes característica da espécie é transmitida verticalmente, de uma geração a outra. A evolução dependeria, nela, da lenta acumulação de mutações no DNA.
Bactérias e suas primas, segundo
Woese, são rápidas e solidárias -não
reconhecem limites rígidos entre tipos de organismos. Como foram as
primeiras a surgir e ainda dominam o
mundo, a biologia de seres pluricelulares e sexuados é que seria um caso
especial. Não a sua.
Woese pisa fundo no acelerador da
teoria biológica. Diz que ela precisa
sofrer uma grande subversão, para
acomodar a noção de comunidades
microbianas capazes de absorver e
descartar genes de acordo com as mudanças do ambiente.
Uma nova e não menos grandiosa
visão da vida. Afinal, durante uns 3 bilhões de anos isso era tudo que havia
sobre a Terra. Sexo e indivíduos, nem
pensar. De nenhuma espécie.
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Clones Demais" e "O Resgate das Cobaias", da série de ficção infanto-juvenil Ciência em
Dia (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia ( www.cienciaemdia.zip.net ). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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