São Paulo, domingo, 17 de março de 2002

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+ ciência

VIRTUALMENTE REAL

Claudio Pinhanez/IBM
Ator interage com projeção em tela no teatro computacional



MATEMÁTICO BRASILEIRO RADICADO NOS EUA FAZ PROJEÇÕES DE COMPUTADOR INTERAGIREM COM ATORES DE TEATRO E DESENVOLVE SISTEMA CAPAZ DE TRANSFORMAR QUALQUER SUPERFÍCIE NUMA TELA "CLICÁVEL'


Salvador Nogueira
da Reportagem Local

A realidade e o mundo virtual estão se misturando, graças ao trabalho de um brasileiro radicado nos EUA. O matemático e cientista da computação Claudio Pinhanez criou um sistema que pode transformar qualquer superfície em uma tela sensível ao toque, como as que existem comumente em caixas eletrônicos. Pinhanez, 37, trabalha no prestigiado Centro de Pesquisa T.J. Watson da IBM, no Estado de Nova York, onde está há um ano desenvolvendo a tecnologia com potencial para misturar ficção e realidade -o que, aliás, foi de onde a idéia se originou. Enquanto estava no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), em Boston, estudando para seu doutorado, Pinhanez desenvolveu um projeto batizado de teatro computacional. Nele, um ator real interagia com personagens virtuais, criados por computador e projetados em uma tela. O pesquisador revela que sentiu muita frustração pela dificuldade de estabelecer a interação, como se houvesse uma janela entre dois mundos não-conectados. "Eu queria quebrar essa janela", conta, por telefone, de seu escritório. A inclinação pelo mundo das imagens vem de berço. O pesquisador paulistano é filho do cineasta Roberto Santos Pinhanez (1928-1987), um dos fundadores do cinema novo, diretor de "O Grande Momento" (1957) e "A Hora e a Vez de Augusto Matraga" (1965). "Meu pai costumava me falar de seu sonho sobre o dia em que seus personagens virariam hologramas e o seguiriam pela cidade", escreveu, na dedicatória a Santos em sua tese de doutorado. "O dia em que o cinema deixaria a escuridão da sala de projeção e a tela plana. Meu sonho é realizar esse sonho." Ele conta que aprendeu cinema com o pai e, de certa forma, é adepto do lema "uma idéia na cabeça e uma câmera na mão". Mas com uma pitada a mais de tecnologia. Assim nasceu o Everywhere Displays, projeto que o brasileiro atualmente coordena na IBM e que começou informalmente nas horas vagas, enquanto trabalhava em outras idéias. O objetivo é fazer as pessoas interagirem com projeções. Para isso, o sistema é equipado com um projetor para gerar as imagens e uma câmera, que vai detectar o movimento de, por exemplo, uma mão por sobre a imagem projetada e identificar que "botão" está sendo apertado na tela sensível.

Discoteca
Mais que isso, Pinhanez queria que os humanos parassem de procurar os monitores com que pudessem interagir. Em vez disso, os monitores é que os procurariam. Para isso, seria necessário dar grande mobilidade ao projetor, algo que nem sempre é conveniente. O pesquisador da IBM, formado em matemática pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP, queria uma solução mais barata e inteligente. E a solução veio, ele conta, inspirada por uma danceteria. "Eu fui a uma discoteca e reparei que aquele globo espelhado era bem eficiente para refletir as luzes no salão. Eu pensei: é isso", conta. "No meu protótipo, usei basicamente um espelho de discoteca." Com o espelho, o projetor e a câmera, o Everywhere Displays estava pronto -ao menos como prova de que o conceito funcionava. A imagem era pré-processada antes de passar pelo projetor e distorcida para que, quando fosse refletida pelo espelho de forma oblíqua em relação à superfície em que seria projetada, aparecesse corretamente. Com o pré-processamento, ela poderia aparecer sempre do mesmo jeito, embora fosse projetada cada vez sobre uma superfície diferente.

Pinturas com chocolate
Para testar a interação de pessoas com o sistema, o grupo de Pinhanez montou uma instalação em uma exposição de tecnologias inovadoras realizada em agosto último, em Los Angeles. Nela, as pessoas eram convidadas a fazer pinturas famosas usando chocolates M&M's. Primeiro a pessoa entrava na sala, e uma paleta era projetada em uma superfície, com os dizeres "clique aqui para pintar". Ao apertar a projeção, uma outra imagem se acendia na mesa, com várias cores de M&M projetadas. "Escolha a cor", sugeria a imagem. Novamente o indivíduo escolhia a cor pressionando a projeção. Então uma projeção surgia em uma das várias latas dispostas na parede, indicando em qual delas havia M&M's daquela cor. A imagem sugeria, "pegue 11". Depois de pegar os chocolates, o usuário pressionava em "pronto" e a projeção voltava à mesa. Na imagem, acendiam-se os locais em que a pessoa deveria colocar os M&M's. O processo se repetia várias vezes, até que, surpreso, o usuário se descobria tendo reproduzido um quadro do holandês Vincent Van Gogh usando docinhos coloridos como tinta. "Esse experimento mostrou que as pessoas lidam muito bem com projeções", diz Pinhanez. Não só no sentido de interagir eficientemente com elas, mas também de se posicionar modo a evitar obstruí-las. O projeto ainda não é à prova de falhas. "Atualmente o sistema [que detecta a interação do usuário com a projeção" tem uma precisão de 90%", ele afirma. Ou seja, nove em cada dez vezes ele detecta uma apertada num botão virtual como uma apertada. No entanto, O Everywhere Displays está muito mais próximo do cotidiano do que podem imaginar alguns. Pinhanez revela que já há um projeto experimental do uso do sistema por uma instituição, mas não pode dar detalhes do que será. "Espero que no meio do ano já existam pessoas usando o sistema", diz o matemático. No fundo, não é de surpreender que esse sistema ganhe rapidamente popularidade. Pinhanez trabalha sob o mote "transformar a realidade, sem alterá-la" -o que abre uma infinidade de possibilidades, que vão do entretenimento às ciências médicas. Há gente, por exemplo, pensando que o sistema poderia muito bem ser útil em salas de cirurgia, dando ao cirurgião a informação de que ele necessita projetada onde ele possa olhá-la diretamente, sem precisar puxar um monitor para perto ou coisa do tipo. Outras opções em estudo são projetos que estimulem as pessoas, por meio de um tipo de jogo projetado no chão e nas paredes, a usar as escadas normais, e não as rolantes, em estações de metrô. Também há idéias de implantar o sistema em escritórios, alertando pessoas fora de suas mesas, por projeções na parede, de que o telefone está tocando ou de que chegou um e-mail.

"Holodeck"
A aplicação que talvez seja mais fascinante, entretanto, é a que usaria uma projeção de 360 -ou seja, deixaria alguém cercado por projeções, criando um mundo virtual ao redor. Se você já ouviu algo assim por aí, não se assuste. O "holodeck" de "Jornada nas Estrelas", no qual os tripulantes da Enterprise podem viver aventuras virtuais, tem princípio parecido.
Pinhanez diz que ser fã de "Jornada nas Estrelas" é pré-requisito quando se trabalha no MIT. "Depois de cada episódio inédito, o canal de televisão interno exibia um debate sobre o programa", conta.
O cientista confessa que certa vez até olhou o "Manual Técnico da Enterprise" para entender os princípios "holodeck" da ficção científica, mas chegou à conclusão de que o conceito de criar objetos virtuais produzindo e destruindo matéria, como no seriado, ainda era complicado demais para existir -pelo menos nos dias atuais.
Entretanto, Pinhanez não lamenta. "O holodeck é uma visão complicada demais para um problema simples. Eu me convenci de que não precisamos de muito para criar a ilusão." Roberto Santos assinaria embaixo.



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