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+ ciência
VIRTUALMENTE REAL
Claudio Pinhanez/IBM
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Ator interage com projeção em tela no teatro computacional |
MATEMÁTICO BRASILEIRO RADICADO NOS EUA
FAZ PROJEÇÕES DE COMPUTADOR INTERAGIREM COM ATORES DE TEATRO E DESENVOLVE SISTEMA CAPAZ DE TRANSFORMAR
QUALQUER SUPERFÍCIE NUMA TELA "CLICÁVEL'
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Salvador Nogueira
da Reportagem Local
A realidade e o mundo virtual estão se misturando, graças ao trabalho de um brasileiro radicado nos EUA. O matemático e cientista da computação Claudio Pinhanez criou um sistema
que pode transformar qualquer superfície em uma tela
sensível ao toque, como as que existem comumente em
caixas eletrônicos.
Pinhanez, 37, trabalha no prestigiado Centro de Pesquisa T.J. Watson da IBM, no Estado de Nova York, onde está há um ano desenvolvendo a tecnologia com potencial para misturar ficção e realidade -o que, aliás,
foi de onde a idéia se originou.
Enquanto estava no MIT (Instituto de Tecnologia de
Massachusetts), em Boston, estudando para seu doutorado, Pinhanez desenvolveu um projeto batizado de
teatro computacional. Nele, um ator real interagia com
personagens virtuais, criados por computador e projetados em uma tela. O pesquisador revela que sentiu
muita frustração pela dificuldade de estabelecer a interação, como se houvesse uma janela entre dois mundos
não-conectados. "Eu queria quebrar essa janela", conta,
por telefone, de seu escritório.
A inclinação pelo mundo das imagens vem de berço.
O pesquisador paulistano é filho do cineasta Roberto
Santos Pinhanez (1928-1987), um dos fundadores do cinema novo, diretor de "O Grande Momento" (1957) e
"A Hora e a Vez de Augusto Matraga" (1965).
"Meu pai costumava me falar de seu sonho sobre o dia
em que seus personagens virariam hologramas e o seguiriam pela cidade", escreveu, na dedicatória a Santos
em sua tese de doutorado. "O dia em que o cinema deixaria a escuridão da sala de projeção e a tela plana. Meu
sonho é realizar esse sonho." Ele conta que aprendeu cinema com o pai e, de certa forma, é adepto do lema
"uma idéia na cabeça e uma câmera na mão". Mas com
uma pitada a mais de tecnologia.
Assim nasceu o Everywhere Displays, projeto que o
brasileiro atualmente coordena na IBM e que começou
informalmente nas horas vagas, enquanto trabalhava
em outras idéias. O objetivo é fazer as pessoas interagirem com projeções. Para isso, o sistema é equipado com
um projetor para gerar as imagens e uma câmera, que
vai detectar o movimento de, por exemplo, uma mão
por sobre a imagem projetada e identificar que "botão"
está sendo apertado na tela sensível.
Discoteca
Mais que isso, Pinhanez queria que os humanos parassem de procurar os monitores com que
pudessem interagir. Em vez disso, os monitores é que os
procurariam. Para isso, seria necessário dar grande mobilidade ao projetor, algo que nem sempre é conveniente. O pesquisador da IBM, formado em matemática pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP, queria
uma solução mais barata e inteligente.
E a solução veio, ele conta, inspirada por uma danceteria. "Eu fui a uma discoteca e reparei que aquele globo
espelhado era bem eficiente para refletir as luzes no salão. Eu pensei: é isso", conta. "No meu protótipo, usei
basicamente um espelho de discoteca."
Com o espelho, o projetor e a câmera, o Everywhere
Displays estava pronto -ao menos como prova de que
o conceito funcionava. A imagem era pré-processada
antes de passar pelo projetor e distorcida para que,
quando fosse refletida pelo espelho de forma oblíqua
em relação à superfície em que seria projetada, aparecesse corretamente. Com o pré-processamento, ela poderia aparecer sempre do mesmo jeito, embora fosse
projetada cada vez sobre uma superfície diferente.
Pinturas com chocolate
Para testar a interação de
pessoas com o sistema, o grupo de Pinhanez montou
uma instalação em uma exposição de tecnologias inovadoras realizada em agosto último, em Los Angeles.
Nela, as pessoas eram convidadas a fazer pinturas famosas usando chocolates M&M's.
Primeiro a pessoa entrava na sala, e uma paleta era
projetada em uma superfície, com os dizeres "clique
aqui para pintar". Ao apertar a projeção, uma outra
imagem se acendia na mesa, com várias cores de M&M
projetadas. "Escolha a cor", sugeria a imagem.
Novamente o indivíduo escolhia a cor pressionando a
projeção. Então uma projeção surgia em uma das várias
latas dispostas na parede, indicando em qual delas havia M&M's daquela cor. A imagem sugeria, "pegue 11".
Depois de pegar os chocolates, o usuário pressionava
em "pronto" e a projeção voltava à mesa.
Na imagem, acendiam-se os locais em que a pessoa
deveria colocar os M&M's. O processo se repetia várias
vezes, até que, surpreso, o usuário se descobria tendo
reproduzido um quadro do holandês Vincent Van
Gogh usando docinhos coloridos como tinta.
"Esse experimento mostrou que as pessoas lidam
muito bem com projeções", diz Pinhanez. Não só no
sentido de interagir eficientemente com elas, mas também de se posicionar modo a evitar obstruí-las.
O projeto ainda não é à prova de falhas. "Atualmente
o sistema [que detecta a interação do usuário com a
projeção" tem uma precisão de 90%", ele afirma. Ou seja, nove em cada dez vezes ele detecta uma apertada
num botão virtual como uma apertada. No entanto, O
Everywhere Displays está muito mais próximo do cotidiano do que podem imaginar alguns. Pinhanez revela
que já há um projeto experimental do uso do sistema
por uma instituição, mas não pode dar detalhes do que
será. "Espero que no meio do ano já existam pessoas
usando o sistema", diz o matemático.
No fundo, não é de surpreender que esse sistema ganhe rapidamente popularidade. Pinhanez trabalha sob
o mote "transformar a realidade, sem alterá-la" -o que
abre uma infinidade de possibilidades, que vão do entretenimento às ciências médicas.
Há gente, por exemplo, pensando que o sistema poderia muito bem ser útil em salas de cirurgia, dando ao
cirurgião a informação de que ele necessita projetada
onde ele possa olhá-la diretamente, sem precisar puxar
um monitor para perto ou coisa do tipo.
Outras opções em estudo são projetos que estimulem
as pessoas, por meio de um tipo de jogo projetado no
chão e nas paredes, a usar as escadas normais, e não as
rolantes, em estações de metrô. Também há idéias de
implantar o sistema em escritórios, alertando pessoas
fora de suas mesas, por projeções na parede, de que o telefone está tocando ou de que chegou um e-mail.
"Holodeck"
A aplicação que talvez seja mais fascinante, entretanto, é a que usaria uma projeção de 360
-ou seja, deixaria alguém cercado por projeções,
criando um mundo virtual ao redor. Se você já ouviu algo assim por aí, não se assuste. O "holodeck" de "Jornada nas Estrelas", no qual os tripulantes da Enterprise
podem viver aventuras virtuais, tem princípio parecido.
Pinhanez diz que ser fã de "Jornada nas Estrelas" é
pré-requisito quando se trabalha no MIT. "Depois de
cada episódio inédito, o canal de televisão interno exibia um debate sobre o programa", conta.
O cientista confessa que certa vez até olhou o "Manual
Técnico da Enterprise" para entender os princípios
"holodeck" da ficção científica, mas chegou à conclusão
de que o conceito de criar objetos virtuais produzindo e
destruindo matéria, como no seriado, ainda era complicado demais para existir -pelo menos nos dias atuais.
Entretanto, Pinhanez não lamenta. "O holodeck é
uma visão complicada demais para um problema simples. Eu me convenci de que não precisamos de muito
para criar a ilusão." Roberto Santos assinaria embaixo.
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