São Paulo, domingo, 17 de abril de 2005

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Ciência em Dia

Projeto Genográfico e "Projeto Vampiro"

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

O conglomerado de pesquisa, mídia e entretenimento National Geographic e a empresa IBM lançaram com grande fanfarra, terça-feira passada, o Projeto Genográfico (www5.nationalgeographic.com/genographic). Dez centros de pesquisa no mundo, um deles em Belo Horizonte, vão coletar durante cinco anos DNA de povos indígenas para tentar traçar a história das migrações humanas desde 100 mil anos atrás, quando se estima que a espécie tenha surgido na África. O projeto tem também espaço para participação individual (kits de US$ 99,95 para cada um enviar seu DNA) e para toneladas de questionamentos.
Quem terá acesso às informações genéticas obtidas com as amostras? Elas serão identificadas pelo nome da pessoa e pela etnia (ou "raça") a que pertence? As informações poderão ser usadas comercialmente ou talvez gerar patentes? As comunidades indígenas serão consultadas?


Quem terá acesso às informações? Serão usadas para gerar patentes?


Esse tipo de questionamento acabou com uma iniciativa muito similar, ainda que mais modesta, quase 15 anos atrás. O Projeto Diversidade do Genoma Humano, idéia lançada pelo grande geneticista de populações italiano Luca Cavalli-Sforza, soçobrou em meio a uma barragem de protestos de antropólogos e ambientalistas. Eles viram na planejada coleta de amostras de sangue uma ameaça de apropriação indébita do patrimônio genético de índios. Um dos aspectos mais brandos da reação foi o apelido "Projeto Vampiro".
A lição parece ter sido aprendida. Tanto o coordenador do Projeto Genográfico, Spencer Wells (EUA), quanto coordenadores regionais, como Fabrício Santos (Universidade Federal de Minas Gerais), se apressam em esclarecer que a iniciativa milionária -US$ 12 milhões, para começar- não envolve pesquisa médica. Ela terá só caráter histórico, baseando-se no fato de que grupos característicos de mutações permitem fazer inferências sobre a origem geográfica de ancestrais do doador de DNA.
Essas e muitas outras questões espinhosas são encaradas de frente pelos organizadores do projeto numa alentada página de perguntas freqüentes na internet. Quem lê em inglês pode já verificar se as respostas apresentadas são satisfatórias: www5.nationalgeographic.com/genographic/faqs.html. À primeira vista, são.
De certo modo, o Projeto Genográfico é uma ampliação para a escala global do tipo de trabalho que já vinha sendo realizado no Brasil pelos grupos de Francisco Mauro Salzano, (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), e de Sérgio Danilo Pena, (UFMG). Pena, aliás, foi orientador de Fabrício Santos. Ele e Salzano se envolveram, 15 anos atrás, no projeto de Cavalli-Sforza, e chegaram a ser hostilizados.
Causa espanto, assim, que a cobertura dada quarta-feira pela imprensa brasileira à ressurreição do Projeto Diversidade do Genoma Humano, envolto agora no manto amarelo e azul do Projeto Genográfico, tenha omitido por completo sua genealogia polêmica. Pelo menos na página de respostas oficial, ela não foi escamoteada. É a 12ª e última resposta do bloco sobre ética e privacidade, mas está lá.

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