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As dimensões do espaço
Como saber se a nossa percepção da realidade não é enganosa?
Quantas dimensões espaciais
existem? "Fácil", diria o leitor,
"são três: comprimento, largura e altura. Ou, se você preferir, norte-sul, leste-oeste e a vertical".
Sem dúvida, são essas as dimensões
que percebemos no nosso dia-a-dia, as
dimensões em que nos locomovemos.
Mas será que é só isso? E se existirem
dimensões que são invisíveis aos nossos olhos, ou mesmo microscópicas,
por serem muito pequenas? Como se
certificar de que nossa percepção da
realidade não é enganosa?
Dou um exemplo. Imagine uma
mangueira num jardim. De perto, a
mangueira é um cilindro bem longo,
tendo duas dimensões: seu comprimento e sua circunferência. Uma formiga pode tanto andar ao longo da
mangueira quanto dar voltas ao seu
redor. Mas, de longe, a mangueira vai
se parecendo cada vez mais com uma
linha e menos com um tubo.
Perdemos a percepção de que ela
tem também uma largura. Bem de
longe, a mangueira é indistinguível de
um objeto com uma dimensão apenas,
seu comprimento. Nem sempre nossa
percepção da dimensionalidade do espaço corresponde à realidade. Tudo
depende de perspectiva e da precisão
dos nossos instrumentos de medida.
Como dizia o filósofo francês do final do século 17 Bernard Le Bovier de
Fontenelle, queremos sempre saber
mais do que enxergamos. A filosofia
(leia-se busca pelo conhecimento) é
conseqüência da combinação da nossa curiosidade com nossa miopia. Voltando às dimensões do espaço, talvez
sejamos apenas míopes.
Em matemática, pensar sobre dimensões extras é relativamente simples. Basta adicioná-las às equações
descrevendo às propriedades do espaço. Essa é uma das maravilhas da matemática, nos fornecer meios de especular sobre realidades imaginárias,
cuja estrutura depende apenas de
consistência lógica, sem qualquer
compromisso com a realidade. Mas
em física a coisa é diferente.
As ciências físicas têm como missão
descrever a realidade natural, além
das aparências ou das especulações.
Podemos especular sobre quantas dimensões espaciais existem, mas a realidade é uma só. A física busca por
uma descrição da realidade cada vez
mais completa.
A idéia de que existem dimensões
extras surgiu em 1919. O físico-matemático alemão Theodor Kaluza sugeriu que duas forças fundamentais da
natureza, a gravidade e o eletromagnetismo, são, na verdade, uma só
quando vistas em um espaço de quatro dimensões espaciais.
Ou seja, ilhados na nossa percepção
da realidade, limitada à três dimensões, deixamos de vislumbrar a unidade fundamental que existe na natureza. Essa idéia tem um apelo que vai
além do científico.
Hoje, físicos continuam a formular
teorias de unificação das forças em espaços com mais de três dimensões.
Desde a época de Kaluza, foram descobertas mais duas forças fundamentais, as forças nucleares forte e fraca,
que atuam no interior do núcleo atômico. Para acolher essas duas novas
forças, segundo as teorias atuais, são
necessárias nove dimensões espaciais,
seis a mais do que as que percebemos.
Onde estão elas?
Se existem, são muito pequenas para serem percebidas, mesmo com nossos microscópios mais poderosos.
Existe a possibilidade, remota, de que
seus efeitos sejam medidos em uma
máquina gigantesca prestes a entrar
em funcionamento na Suíça, um acelerador de partículas conhecido como
LHC, que já mencionamos em outras
colunas. Caso não sejam, provavelmente serão décadas até que possamos testar essa idéia. No meio tempo,
é bom lembrar de que o que vemos é
apenas a pequena parte da realidade.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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