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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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Ciência em Dia

Fritjof Capra viaja na transversal

Marcelo Leite
editor de Ciência

Passou por Brasília na semana passada o autor de best-sellers paracientíficos Fritjof Capra, conhecido por obras como "O Tao da Física" e "Ponto de Mutação". Deitou falação, em seminário do Ministério do Meio Ambiente (MMA), sobre o desafio da "transversalidade" para a administração Lula, ou seja, sobre a necessidade de permear todas as ações de governo com preocupações como a "sustentabilidade social, cultural, política e ambiental" -nas palavras da ministra Marina Silva.
Nos últimos anos, Capra voltou suas lucubrações além da ciência para o tema do ambiente, que tem atraído o maior número de espíritos simples -ainda que bem-intencionados- nostálgicos de um mundo uno que nunca existiu, não-dilacerado, virgem de tecnologia. Duas de suas obras recentes são "As Conexões Ocultas - Integrando Dimensões Biológicas, Cognitivas e Sociais da Vida em uma Ciência da Sustentabilidade) e "A Teia da Vida - Um Novo Entendimento dos Sistemas Vivos", ambos traduzidos para o português.
A julgar pelos títulos dos volumes, têm tudo a ver com preocupações vicejantes nas margens do Fórum Social Mundial. Foi numa dessas reuniões em Porto Alegre que Capra se engajou, em companhia da ministra, na proposta de uma rede internacional por um "Brasil Sustentável", cujos primeiros passos foram dados com a reunião encerrada sexta-feira na ecologicamente duvidosa Academia de Tênis de Brasília.
Capra pontificou: "Formular políticas para um Brasil sustentável significa introduzir uma nova dimensão ética na política. A ética ecológica é um padrão de comportamento que flui através da percepção de que todos pertencemos à comunidade global da biosfera". Disse mais: "A rede é o padrão básico de organização da vida. Desde o princípio, há mais de 3 bilhões de anos, a vida surgiu no planeta não através da competição, mas através da cooperação, de parcerias e da formação de redes".
Marina Silva aplaudiu: "Essa rede mundial de ecologistas está aqui para nos ajudar a tornar o nosso sonho realidade". De fato, a ministra anda necessitada de ajuda internacional, porque no plano doméstico os "ecologistas" (ambientalistas) já começaram a chiar. O Instituto Socioambiental (ISA), do qual saiu o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Ribeiro Capobianco, publicara dias antes um primeiro documento de cobrança, sintomaticamente intitulado "Transversalidade na Corda Bamba" ( www.socioambiental.org/ website/especiais/novogov2/index.shtm).
Coincidência ou não, eles se queixam exatamente da perene ausência do MMA, ou pelo menos da questão ambiental, na formulação de políticas públicas por outros ministérios -como no caso do agronegócio exportador e sua predileção pela soja transgênica. Já lá vão quase dois meses desde que se tornou conhecido o desmatamento de mais de 25 mil km2 na Amazônia no período 2001-2002, 40% a mais que no anterior, e não há ainda notícia concreta da comissão interministerial (mais uma) criada para resolver o problema.
Enquanto isso, a monocultura da soja avança em direção a Santarém (PA), produzindo divisas para o país ao mesmo tempo em que induz desmatamento. Não é contradição que se resolva com platitudes e transversalidades caprianas.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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