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Estudo revela base química de "droga do esquecimento"
Cientistas do RS investigam proteínas ligadas à manutenção das memórias
Pesquisadores sabotaram
memória de longo prazo em
ratos, o que pode levar a
criar medicação que apague
lembranças seletivamente
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma série de experimentos
conduzidos por um grupo de
pesquisadores de Porto Alegre
está ampliando a perspectiva
de que, no futuro, seja possível
criar uma droga do esquecimento. O grupo do neurocientista Iván Izquierdo, no Centro
de Memória da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul), publica
neste mês dois estudos que
mostram em detalhe o papel de
moléculas candidatas a alvo de
fármacos com essa finalidade.
Por enquanto, o apagamento
de memórias indesejadas com
tratamento médico está disponível apenas em filmes de ficção científica, como "Brilho
Eterno de uma Mente Sem
Lembranças". O grupo de Izquierdo, porém, mostrou que é
possível sabotar memórias de
longo prazo num experimento
com ratos, atacando algumas
proteínas no cérebro.
"Hoje se discute muito a clonagem, mas ninguém fala da
possibilidade certa que teremos no futuro -acho que em
uns 20 ou 25 anos- de modificar seletivamente as nossas
lembranças", diz Martín Cammarota, principal parceiro de
Izquierdo e líder de um estudo
sobre o assunto publicado na
edição deste mês da revista
"Learning and Memory".
"Se existir um jeito de apagar
memórias particulares, a indústria farmacêutica não deixaria de faturar em cima. Venderia mais do que Prozac e Viagra juntos", diz. O medicamento poderia servir, por exemplo,
para tratar casos de estresse
pós-traumático, de soldados a
vítimas de violência urbana
Os experimentos de Cammarota e Izquierdo com ratos ainda estão longe de ser algo aplicável a humanos, pois poderiam trazer graves lesões. Os
resultados, porém, estão ajudando aos poucos a descobrir
quais são os processos e as moléculas envolvidos. A principal
delas é uma proteína batizada
BDNF, responsável por desencadear uma série de reações
dos neurônios que sustentam
memórias de longo prazo.
Ao lado de outros colegas, os
cientistas descobriram que, para fazer um trabalho de "ajuste
e manutenção" das lembranças, essa molécula exerce uma
função importante em uma região do cérebro chamada hipocampo. A descoberta rompe
com teorias anteriores, segundo as quais essa região cerebral
só é importante no momento
da formação das memórias.
Em estudo na edição de hoje
da revista "Neuron", os cientistas relatam como a BDNF atua
em diversos momentos do estabelecimento das memórias
de longo prazo.
Lembranças paradoxais
O problema com mais implicações filosóficas investigado
pelo grupo da PUC-RS, porém,
diz respeito a um paradoxo que
envolve o ato de lembrar. Memórias de longo prazo (semanas, meses ou anos) em geral se
sustentam quase inabaláveis
num cérebro saudável- desde
que não sejam muito usadas.
Segundo Cammarota, quando uma memória antiga vem à
tona para a compreensão de
um contexto vivido em dado
momento, o cérebro a reabre
para modificá-la e depois guardá-la novamente. É nesse momento que uma eventual "droga do esquecimento" poderia
fazer efeito, pois esse processo
requer a produção de uma série
de proteínas pelo cérebro, incluindo a BDNF.
"Num experimento, isso
acontece quando o animal se
lembra de um objeto em um
contexto diferente", diz Cammarota. "Se eu bloqueio a síntese das proteínas, o animal esquece completamente o objeto
que já era conhecido antes."
Mas onde está o paradoxo? A
"memória mais confiável", que
mais conserva sua forma original, é "aquela que quase nunca
utilizamos", diz o cientista. Por
outro lado, a falta de uso prolongada aumenta a probabilidade de esquecê-la totalmente.
Para Cammarota, elucidar
essa contradição é um problema fundamental da biologia.
Não há motivo aparente para o
cérebro colocar em risco as informações de que mais precisa.
E as implicações filosóficas?
"As memórias dizem respeito a
quem somos nós", diz o neurocientista. "Nós somos o que nós
lembramos que somos."
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