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Marcelo Gleiser
A matemática da beleza
O belo segue princípios que o artista aprende olhando o mundo
O
que conchas de caracóis, galáxias, furacões, os chifres de
um bode e a curva do seu lábio
superior têm em comum? Todos seguem a mesma curva fundamental, a
espiral logarítmica. Não, seus lábios
não são uma espiral, mas parte dela.
Todas essas formas, além de revelarem uma elegância única, atestam
também uma unidade nos processos
criativos que existem no mundo natural. No caso da espiral, ela surge quando a parte externa de um objeto cresce
mais rapidamente do que a interna.
Observar e apreciar a beleza das espirais equivalem a olhar para o mundo
com os olhos de um artista e de um
matemático ao mesmo tempo.
Por trás dessas e muitas outras formas, existe um número mágico, a chamada seção áurea ou proporção divina, 1,618. O número aparece na famosa série de Fibonacci, o italiano que
em 1202 escreveu um manual de matemática chamado "Livro do Ábaco".
Nele, Fibonacci examinou a série de
números obtidos ao somarmos os dois
anteriores:
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144...
Quando dividimos um número pelo
seu antecessor, a série converge para a
seção áurea. Por exemplo, 34/21 =
1,6190..., e 144/89 = 1,61798... Aliás, é
essa a razão aproximada da sua altura
e da altura do seu umbigo até o chão.
A sessão áurea define as proporções
do retângulo áureo (o lado maior 1,618
vez maior do que o menor). A espiral
logarítmica cabe dentro desse retângulo áureo. Deles surge também o
triângulo áureo, um triângulo isósceles (dois lados iguais) com ângulos de
72-36-72. Essas formas aparecem e
reaparecem na natureza e na organização espacial de inúmeras obras de
arte. Por exemplo, a Mona Lisa, talvez
o quadro mais famoso do mundo, pintado por Leonardo da Vinci e terminado em 1507, respeita várias proporções áureas: a cabeça e o torso da modelo cabem num retângulo áureo e
seu corpo e cabeça, num triângulo áureo. Seu olho esquerdo divide o quadro ao meio, dando-lhe a dimensão
psicológica que o tornou imortal.
Acabo de ler o livro "Math and the
Mona Lisa" (A Matemática e a Mona
Lisa) do físico e ilustrador Bülent Atalay. O livro sairá em breve no Brasil
pela editora Mercúrio Jovem. Nele, o
autor explora uma pergunta essencial,
usando Da Vinci como inspiração: Até
que ponto é possível integrar os princípios criativos da arte e da ciência?
A escolha de Leonardo não é acidental. Deixando de lado o furor recente provocado pelo livro "O Código
Da Vinci", de Dan Brown, Leonardo,
mais do que qualquer personagem da
história, encarna a união da razão e da
sensibilidade artística. "Olhe para a
natureza e deixe-a ser sua mentora",
afirmou. Para Leonardo, a natureza
obedece a regras estéticas ditadas pela
matemática, a matemática da beleza.
Mesmo que não tenha declarado explicitamente que seus quadros e ilustrações foram criados a partir de proporções baseadas na seção áurea, ela
aparece em várias ocasiões.
Seus projetos tecnológicos, como
máquinas voadoras, submarinos, pára-quedas e catapultas, bem como
seus quadros e desenhos anatômicos,
são prova de que ele seguia à risca seu
próprio conselho, usando as soluções
estéticas encontradas na natureza para criar suas obras.
A construção da beleza segue princípios científicos que o artista aprende olhando para o mundo. Para Leonardo da Vinci, ciência e arte eram
uma coisa só, um veículo de expressão
cuja função era recriar a beleza das
formas naturais. A natureza era sua
grande mestra.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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